Ana Roberta Dias Rossi*
Introdução
O Reino dos Países Baixos desempenha um papel de relevância tanto no cenário europeu quanto nas dinâmicas globais de comércio [1]. Com uma economia altamente diversificada e orientada para a exportação [2], o país equilibra setores de ponta e apresenta uma agricultura eficiente, ainda que seja relativamente pequena em participação no seu PIB. Nesse contexto, a relação com o Mercosul adquire relevância estratégica, ainda que apresente baixa sensibilidade para a economia neerlandesa, estando marcada por tensões entre ganhos econômicos e preocupações ambientais e sociais [3]. Esses apontamentos nos levam a analisar e compreender a opinião pública e governamental neerlandesa sobre o Acordo UE-Mercosul.
Contextualização
Os Países Baixos são uma monarquia constitucional parlamentar, em que o primeiro-ministro, atualmente Dick Schoof, ocupa as responsabilidades de chefe de governo e o rei Guilherme Alexandre como chefe de Estado [4]. Em seu âmbito econômico, o país neerlandês está entre as 20 maiores economias do mundo e entre os 5 maiores países exportadores [5]. Ainda, a população neerlandesa possui alta expectativa de vida e baixos índices de desemprego [6]. No bloco europeu, o país ocupa o 3º lugar em PIB per capta e registra 6,3% do PIB total do bloco [1]. Membro fundador da União Europeia, o Reino adota o euro, integra o espaço Schengen, participou da elaboração dos tratados criadores da União Europeia e exerce influência em políticas agrícolas, no mercado interno e na integração [7].
As relações comerciais dos Países Baixos com o Mercosul representam 1,2% do comércio neerlandês (€18,76 bilhões), com saldo deficitário, exceto pelo Paraguai [8]. As exportações concentram-se em combustíveis, químicos, maquinaria e alimentos industrializados, enquanto as importações envolvem principalmente commodities agrícolas e minerais [9]. Em 2023, o Brasil respondeu por 80% dessas trocas, seguido por Argentina, Uruguai e Paraguai [8].
Os principais setores da economia neerlandesa são Serviços (69,65% do PIB), Indústria (18,75%) e Agricultura (1,72%) [2]. A indústria será favorecida com a ratificação do acordo, pelo aumento do comércio, pela maior demanda externa e por ganhos de renda nominal, com foco nas máquinas, equipamentos de alta tecnologia, produtos químicos industriais e farmacêuticos [10]. Já o setor de serviços deve expandir-se com ganhos de renda nominal e acesso ampliado ao mercado do Mercosul [3]. Por outro lado, a agricultura neerlandesa deverá enfrentar perda de competitividade e redução de rendas nominais [11].
Embora ainda não haja posição oficial do governo neerlandês sobre o Acordo UE-Mercosul, o Parlamento aprovou uma moção contrária [16], solicitando que o governo, em coordenação com os parceiros europeus, impeça sua ratificação [17]. A moção contou com apoio majoritário de partidos como PVV, GroenLinks–PvdA, NSC e SP, enquanto VVD, D66 e CDA votaram contra [18]. Os partidos contrários ao acordo destacam preocupações com concorrência desleal, desmatamento e impactos negativos sobre a agricultura europeia [19]. Já os favoráveis enfatizam abertura de novos mercados e parcerias com democracias [20].
No campo ambiental, ainda que a Comissão Europeia argumente que os riscos foram mitigados [12], ONGs, eurodeputados e a própria moção do parlamento neerlandês contestam fortemente essa narrativa [13], enfatizando riscos persistentes de desmatamento e concorrência desleal [14]. O acordo é rejeitado por instituições ambientais e pela opinião pública neerlandesa, em sua maioria contrária caso implique riscos à Amazônia [15].
Não houve uma votação final sobre o posicionamento dos eurodeputados, mas resoluções anteriores já refletiram divisões entre suas diferentes perspectivas [18]. Alguns deles manifestaram-se publicamente, em sua maioria contrários [23]. Por outro lado, também houveram posicionamentos favoráveis [21]. Os grupos empresariais, como a VNO-NCW, defendem a aprovação do acordo [22], enquanto entidades agrícolas, como a LTO Nederland, manifestaram-se pela rejeição [11]. A central sindical FNV demanda rejeição ou renegociação [26], enquanto ONGs como Greenpeace Nederland buscam impedir a ratificação [14].
Conclusão
A análise da posição neerlandesa frente ao acordo UE–Mercosul revela contradições internas: os interesses econômicos se chocam com preocupações ambientais, agrícolas e sociais [3]. Embora parte do empresariado defenda a abertura de mercados [20], a predominância de críticas ligadas ao desmatamento e à fragilidade das cláusulas de sustentabilidade [14] indica um ambiente político contrário à ratificação. No entanto, com as mudanças mais recentes, o acordo foi dividido entre duas partes (política e comercial), o que pode levar a uma aceitação maior [27].
Referências
[1] European Union. Portal da União Europeia. Acesso em 20 ago. 2025. https://european-union.europa.eu/index_en
[2] Statista. Netherlands: Distribution of gross domestic product (GDP) across economic sectors from 2013 to 2023. Acesso em 20 ago. 2025. https://www.statista.com/statistics/276713/distribution-of-gross-domestic-product-gdp-across-economic-sectors-in-the-netherlands/
[3] Government of the Netherlands. Government of the Netherlands. Acesso em 20 ago. 2025. https://www.government.nl/
[4] Netherlands. Netherlands country profile. Acesso em 20 ago. 2025. https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/eu-countries/netherlands_en
[5] Exame. 7 coisas que a Holanda tem e o Brasil não tem. Acesso em 21 ago. 2025. https://exame.com/economia/7-coisas-que-a-holanda-tem-e-o-brasil-nao-tem/
[6] Dados Mundiais. Países Baixos: Dados e estatísticas. Acesso em 21 ago. 2025. https://www.dadosmundiais.com/europa/paises-baixos/index.php
[7] Delegation of the European Union to Brazil. Delegation of the European Union to Brazil. Acesso em 20 ago. 2025. https://www.eeas.europa.eu/taxonomy/term/191_pt
[8] Effects of EU-Mercosur Agreement. Efeitos do Acordo UE-Mercosul na Economia e no Perfis Comerciais Holandeses. Acesso em 21 ago. 2025. https://www.government.nl/documents/reports/2025/07/31/effects-eu-mercosur-agreement-on-dutch-economy-and-trade-profiles
[9] IOB. Avaliação da política externa dos Países Baixos para a América Latina. Acesso em 20 ago. 2025. https://www.government.nl/documents/reports/2014/03/04/iob-avaliacao-da-politica-externa-dos-paises-baixos-para-a-america-latina
[10] Gov.br. Guia de expansão aos Países Baixos Para empresas de tecnologia. Acesso em 21 ago. 2025. https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/invest-export-brasil/exportar/conhecaos-mercados/pesquisas-de-mercado/estudo-de-mercado.pdf/Paisesbaixos.pdf
[11] LTO Nederland. Documento de posição da LTO Nederland para a mesa redonda sobre o acordo UE-Mercosul. Acesso em 23 ago. 2025. https://www.tweedekamer.nl/kamerstukken/detail?did=2023D08642&id=2023Z03679
[12] European Commission. European Commission statements on EU-Mercosur. 2025. Acesso em 22 ago. 2025.
https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-agreement_en
[13] Motie Teunissen. Motie Teunissen c.s. over de Europese Commissie. Acesso em 22 ago. 2025. https://www.tweedekamer.nl/kamerstukken/moties/detail?id=2024Z18920&did=2024D45090
[14] Greenpeace. Por que o acordo comercial UE-Mercosul é ruim para as pessoas, a natureza e o clima. Acesso em 22 ago. 2025. https://www.greenpeace.org/nl/algemeen/56591/waarom-het-eu-mercosur-handelsverdrag-slecht-is-voor-mens-natuur-en-klimaat/
[15] Mongabay. Público europeu rejeita categoricamente acordo comercial com o Brasil, a menos que a Amazon seja protegida. Acesso em 22 ago. 2025. https://news.mongabay.com/2021/02/european-public-roundly-rejects-brazil-trade-deal-unless-amazon-protected/
[16] NOS. Kamer stemt opnieuw tegen Europees handelsverdrag met Zuid-Amerikaanse landen. Acesso em 22 ago. 2025. https://nos.nl/artikel/2546927-kamer-stemt-opnieuw-tegen-europees-handelsverdrag-met-zuid-amerikaanse-landen
[17] Eurogroup for Animals. Dutch Parliament adopts a resolution against the ratification of the EU-Mercosur trade deal. Acesso em 20 set. 2025. https://www.eurogroupforanimals.org/news/dutch-parliament-adopts-resolution-against-ratification-eu-mercosur-trade-deal
[18] Nieuwe Oogst. Europees Parlement verdeeld over Mercosur. Acesso em 20 ago. 2025. https://www.nieuweoogst.nl/nieuws/2024/12/06/europees-parlement-verdeeld-over-mercosur
[19] Brusselse Nieuwe. Organizações agrícolas e ambientais europeias querem abolir o tão esperado acordo comercial entre a UE e a América do Sul. Acesso em 22 ago. 2025. https://brusselsenieuwe.nl/europese-landbouw-en-milieuorganisaties-willen-af-van-langverwacht-handelsakkoord-tussen-de-eu-en-zuid-amerika/
[20] FME. A aprovação do acordo comercial UE-Mercosul deveria ser uma decisão óbvia. Acesso em 23 ago. 2025. https://etotaal.nl/nieuws/fme-goedkeuring-eu-mercosur-handelsakkoord-moet-no-brainer-zijn/
[21] Europees Parlement. Europees Parlement verdeeld over Mercosur. Acesso em 20 ago. 2025. https://www.nieuweoogst.nl/nieuws/2024/12/06/europees-parlement-verdeeld-over-mercosur
[22] VNO-NCW. Documento de posição da VNO-NCW e da MKB-Nederland para a mesa redonda sobre o Acordo UE-Mercosul. Acesso em 22 ago. 2025. https://www.tweedekamer.nl/kamerstukken/detail?did=2023D08643&id=2023Z03680
[23] “Comissão Europeia Apresenta Acordo Comercial Com Mercosul, Enfrentando Oposição Liderada Pela França.” G1. September 3, 2025. Acesso em 22 ago. 2025. https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/09/03/ue-ira-propor-acordo-comercial-com-mercosul-enfrentando-oposicao-liderada-pela-franca.ghtml
*Ana Roberta Dias Rossi
Graduanda em Relações Internacionais pela UFGD – Universidade Federal da Grande Dourados. ORCID: 0009-0008-7640-3638