Cilze Klauren Souza Nascimento*
Introdução
A República Eslovaca, situada no coração da Europa Central, consolidou sua imagem internacional como uma economia industrial moderna, socialmente estável e comprometida com os princípios de sustentabilidade e integração europeia. Desde sua adesão à União Europeia, em 2004, o país tem buscado fortalecer laços comerciais e políticos, mantendo uma postura diplomática voltada ao multilateralismo e à cooperação internacional [1].
Esse perfil reflete-se na forma como Bratislava se posiciona em relação ao Acordo de Associação entre a União Europeia e o Mercosul, especialmente no que concerne ao Capítulo 18, que trata do Comércio e Desenvolvimento Sustentável. O tratado, firmado em 2019 e revisado em 2024, representa um marco para a política comercial europeia, ao articular a abertura de mercados com cláusulas ambientais e sociais vinculadas ao Acordo de Paris [2]. Para a Eslováquia, a discussão em torno desse capítulo é mais do que técnica; trata-se de um ponto de convergência entre diplomacia climática, competitividade econômica e identidade europeia.
CONTEXTUALIZAÇÃO
A economia eslovaca é caracterizada por sua abertura e alto grau de industrialização, posicionando-se entre as mais desenvolvidas da Europa. Com um setor de serviços responsável por cerca de 61% do PIB e uma indústria que responde por aproximadamente 35%, o país destaca-se especialmente pela produção automotiva e eletrônica, integrando-se às cadeias de valor regionais lideradas pela Alemanha e pela República Tcheca [3]. Essa estrutura produtiva, tem sustentado o crescimento econômico do país por meio das exportações — que correspondem a mais de 90% do PIB —, tornando a Eslováquia altamente dependente do comércio internacional [4].
As relações comerciais entre a Eslováquia e o Mercosul ainda são modestas, mas revelam um padrão característico de complementaridade econômica e demonstram potencial de expansão. Em 2022, o intercâmbio comercial totalizou cerca de 377 milhões de dólares, resultando em um déficit para a Eslováquia. Entre os países do bloco, o Brasil se destaca como principal parceiro, seguido pela Argentina, e os principais produtos exportados são máquinas, componentes automotivos, equipamentos elétricos e produtos químicos [5]. Por outro lado, as importações eslovacas concentram-se em commodities agrícolas, carnes e matérias-primas industriais, o que evidencia uma estrutura comercial assimétrica. Desse modo, o padrão de exportação de bens de maior valor agregado e de importação de produtos primários reafirma a dinâmica clássica entre economias industrializadas e exportadoras de commodities [6].
Ainda que o volume comercial seja modesto em termos absolutos, o governo eslovaco enxerga o Acordo UE-Mercosul como uma oportunidade estratégica para diversificação de mercados e fortalecimento da presença europeia em uma região de crescente relevância geopolítica. O Ministério da Economia considera que a abertura gradual de tarifas pode favorecer setores industriais estratégicos, como o automotivo e o químico, ampliando as oportunidades de investimento e inovação [7]. Ainda assim, o país adota uma postura prudente, ressaltando a necessidade de assegurar padrões equivalentes de sustentabilidade, segurança alimentar e bem-estar animal antes da ratificação do acordo.
O capítulo 18 e o compromisso com a sustentabilidade
O Capítulo 18 do Acordo de Associação UE-Mercosul incorpora um conjunto de princípios que refletem as prioridades da União Europeia em matéria de sustentabilidade. O acordo estabelece compromissos de respeito às normas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao Acordo de Paris e a metas ambientais vinculantes, incluindo a proteção da biodiversidade e o combate ao desmatamento. A versão mais recente do texto, divulgada em 2024, reafirmou tais exigências ao incorporar referências explícitas ao Regulamento Europeu sobre Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) [8a] e ao Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM) [8b].
A Eslováquia tem sido um dos países que mais defendem a coerência entre a política comercial e a política climática dentro da União Europeia. A ex-presidente Zuzana Čaputová, reconhecida por seu engajamento ambiental, expressou publicamente sua preocupação com a preservação da Amazônia e defendeu que o acordo fosse condicionado ao cumprimento de metas ambientais concretas. Em 2019, tais manifestações precederam as negociações que resultaram nas revisões de sustentabilidade do texto em 2024 [9].
No governo de Peter Pellegrini e do primeiro-ministro Robert Fico, a política externa eslovaca mantém uma abordagem pragmática. O país reconhece o valor econômico e diplomático do acordo, mas condiciona seu apoio à existência de mecanismos verificáveis de monitoramento ambiental e social. Essa posição reflete uma sociedade civil cada vez mais sensível à pauta ecológica, com Organizações Não Governamentais (ONGs) e centros de pesquisa nacionais enfatizando a necessidade de transparência nas cadeias produtivas e de respeito às normas europeias [10].
Conjunturas políticas e posicionamentos diplomáticos
A República Eslovaca, por sua vez, adota uma postura pautada na construção e na mediação no seio do Conselho da União Europeia. O comissário europeu Maroš Šefčovič, representante eslovaco na Comissão Europeia, tem sido um dos principais defensores de uma abordagem equilibrada, na qual o fortalecimento das relações comerciais com a América do Sul deve caminhar lado a lado com a aplicação de cláusulas ambientais obrigatórias [11].
A nação se pauta por três princípios fundamentais em sua atuação diplomática. A primeira medida consiste na defesa do Acordo de Paris como fundamento inquestionável do capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, compreendendo-o como um instrumento jurídico e político indispensável. O segundo aspecto a ser considerado é a criação de mecanismos de revisão periódica que permitam ajustar metas ambientais e sociais conforme a evolução tecnológica e regulatória. O terceiro eixo, por sua vez, refere-se ao incentivo à cooperação científica e tecnológica com o Mercosul, especialmente no que diz respeito às energias renováveis, à economia digital e à agricultura de baixa emissão [12].
No âmbito doméstico, as opiniões acerca do acordo são diversificadas. De acordo com os setores industriais e associações empresariais, a ratificação ampliará a competitividade da economia e criará novos nichos de exportação, notadamente para as pequenas e médias empresas vinculadas à indústria de transformação [13]. Já sindicatos agrícolas e partidos ambientalistas expressam receios quanto à entrada de produtos agropecuários sul-americanos com padrões distintos de produção, o que poderia afetar a renda de pequenos produtores locais [14].
Apesar das divergências mencionadas, prevalece um consenso moderado de que a República Eslovaca deve contribuir para o avanço do acordo, desde que as salvaguardas ambientais e sociais sejam efetivamente implementadas. A compatibilidade entre o tratado e os regulamentos europeus, como o EUDR e a Lei da Restauração da Natureza, é considerada um requisito indispensável [15]. O governo também advoga que as cláusulas de sustentabilidade tenham caráter vinculante, permitindo a suspensão parcial de benefícios comerciais em caso de violação grave das normas ambientais [16].
Tal posicionamento prudente reafirma o papel da Eslováquia como um Estado-membro de médio porte que atua como um ponto de conexão entre países mais liberais, como Espanha e Portugal, e os mais céticos, como França e Áustria. A estratégia diplomática eslovaca visa preservar a coerência do projeto europeu, demonstrando a possibilidade de harmonização entre abertura econômica, responsabilidade climática e social [17].
Conclusão
A posição da República Eslovaca diante do Acordo de Associação UE-Mercosul revela uma combinação de pragmatismo econômico e compromisso ético. O país reconhece o potencial do tratado para fortalecer a presença europeia na América do Sul e diversificar suas exportações. No entanto, condiciona sua aprovação à credibilidade do Capítulo 18 e à plena integração das metas ambientais do Acordo de Paris.
A Eslováquia tem mostrado que o comércio internacional pode ser um instrumento de desenvolvimento sustentável, desde que guiado por regras claras, monitoramento transparente e compromissos efetivos. Ao defender a coerência entre comércio e sustentabilidade, o país se posiciona como mediador e defensor de uma Europa que busca prosperidade sem abdicar de seus princípios. Assim, o debate sobre o acordo com o Mercosul transcende a dimensão econômica, representando para a Eslováquia uma oportunidade de reafirmar sua identidade europeia e sua vocação para o diálogo, a cooperação e a responsabilidade global [18].
Referências:
[1] European Commission. Country Profile: Slovakia. https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/country-profiles/slovakia_pt.
[2] European Commission. EU and Mercosur reach political agreement on groundbreaking partnership. https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/ip_24_6244.
[3] Ministério das Relações Exteriores. Como Exportar – Eslováquia. https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/invest-export-brasil/exportar/conheca-os-mercados/como_exportar_privado/como-exportar.pdf/eslovaquiaset21.pdf.
[4] Trading Economics. Exports from Slovakia. https://pt.tradingeconomics.com/slovakia/exports.
[5] Observatory of Economic Complexity. Slovakia Exports, Imports, and Trade Partners. https://oec.world/en/profile/country/svk.
[6] RUDLOFF, Bettina, et al. A Comprehensive Analysis of the Updated Trade Part of the EU–Mercosur Partnership Agreement. https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2025/754477/EXPO_STU(2025)754477_EN.pdf.
[7] Ministry of Economy of the Slovak Republic. EU reaches historic free trade agreement with Mercosur. https://www.economy.gov.sk/en/press/eu-reaches-historic-free-trade-agreement-with-mercosur
[8a] European Union. Regulamento (UE) 2023/1115 – Produtos Livres de Desmatamento. Jornal Oficial da União Europeia, Série L, n. 150, p. 206–247, 9 jun. 2023. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32023R1115.
[8b] European Union. Regulamento (UE) 2024/1991 – Mecanismo de Ajuste de Carbono nas Fronteiras (CBAM). Jornal Oficial da União Europeia, Série L, p. 1–93, 29 jul. 2024. http://data.europa.eu/eli/reg/2024/1991/oj.
[9] Agência Senado. Eslováquia pode atrapalhar fechamento do acordo Mercosul–UE, revela diplomata. Brasília, 10 out. 2019. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/10/10/eslovaquia-pode-atrapalhar-fechamento-do-acordo-mercosul-ue-revela-diplomata.
[10] Statistical Office. 2024 Annual Report – Statistical Office of the Slovak Republic. https://slovak.statistics.sk/wps/wcm/connect/95067f84-f1c3-458b-8524-2223868e00c5/vyrocna_sprava_za_rok_2024_EN_WEB.pdf?MOD=AJPERES&CVID=pwdhTdB&CVID=pw8VSPl.
[11] Euronews. Acordo comercial UE-Mercosul pode ser “justo”, promete Maroš Šefčovic. https://pt.euronews.com/my-europe/2024/11/04/acordo-comercial-ue-mercosul-pode-ser-justo-promete-maros-sefcovic.
[12] European Commission. EU-LAC Global Gateway Investment Agenda. https://international-partnerships.ec.europa.eu/policies/global-gateway/eu-lac-global-gateway-investment-agenda_en
[13] European Comission. EU-Mercosur – a boost for jobs and exports in Slovakia. https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-trade-your-town/slovakia-mercosur-trade-your-town_en.
[14] Rádio RSI English. Slovak Agricultural and Food Chamber joins EU farmers in protest. https://enrsi.stvr.sk/articles/news/393985/slovak-agricultural-and-food-chamber-joins-eu-farmers-in-protest.
[15] European Comission. Nature Restoration Law. Bruxelas, 2023. https://environment.ec.europa.eu/topics/nature-and-biodiversity/nature-restoration-law_en.
[16] Ministry of Environment of the Slovak Republic. Greener Slovakia – Strategy of the Environmental Policy of the Slovak Republic Until 2030. https://www.minzp.sk/files/iep/greener-slovakia-2030.pdf
[17] Ministry of Economy of the Slovak Republic. Integrated National Energy and Climate Plan for 2021 to 2030. https://energy.ec.europa.eu/system/files/2020-03/sk_final_necp_main_en_0.pdf
[19] United Nations Economic Commission for Europe Conference of European Statisticians. Vision and development strategy of Slovakia 2030 – Background for a long-term strategic planning. https://unece.org/sites/default/files/2023-03/WP.3_4_Slovakia_Vision%20and%20Development%20Strategy%20of%20Slovakia%202030_cj.pdf
*Cilze Klauren Souza Nascimento
Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Integrante do Grupo de Estudos Globais e América Latina (GEGAL-UFT) e estagiária no Núcleo de Estudos Rurais, Desigualdades e Sistemas Socioecológicos (NERUDS), pesquisa cooperação internacional, justiça climática e governança ambiental na Amazônia e no Cerrado. Email: cilzeklauren.ri@gmail.com Lattes: https://lattes.cnpq.br/1266876644446389. ORCID: https://orcid.org/0009-0001-3340-0647