Aline Beltrame de Moura* e Rafael Rodigheri Alves da Silva**
Em recente decisão, o Tribunal de Justiça da União Europeia entendeu não ser necessária ação judicial contra o autor de conteúdos inexatos para que essas informações sejam suprimidas de pesquisas na internet. A decisão teve por base a ponderação entre os direitos à privacidade, à proteção de dados pessoais e à liberdade de informação na interpretação do Regulamento Geral de Proteção de Dados.
O caso que gerou o reenvio prejudicial C-460/20, julgado em 8 de dezembro de 2022, foi movido por dois empresários contra o Google LLC em 2015 na Alemanha, pois as pesquisas pelos nomes das pessoas físicas e empresas estavam vinculados a textos e a imagens de pré-visualização que, segundo os empresários, eram prejudiciais à suas reputações, pois apresentavam de forma crítica o modelo de investimento do referido grupo, alegando ainda que tais artigos continham alegações inexatas.
O Tribunal Regional Superior de Colônia negou o pedido com base na liberdade de informação, destacando a importância dos buscadores nesse contexto. A responsabilidade pela veracidade das informações seria dos autores, sendo inviável ao operador do motor de busca investigar e avaliar os fatos.
Contra esse acórdão foi interposto recurso ao Supremo Tribunal de Justiça Federal alemão que, por sua vez, submeteu ao Tribunal de Justiça da União Europeia os questionamentos quanto à interpretação do direito da União.
Os enunciados do Regulamento Geral de Proteção de Dados Pessoais (GDPR) relevantes para o caso foram identificados pelo TJUE:
O GDPR é aplicável ao caso concreto devido à atividade do motor de busca configurar tratamento de dados pessoais, sendo o operador qualificado como responsável pelo tratamento nos termos do regulamento.
Importante destacar que há distinção entre o tratamento realizado pelo buscador e pelo site de notícias. Os buscadores, tais como Google, Bing e Yahoo, são relevantes na difusão global das informações e dos dados e devem assegurar que sua atividade esteja em conformidade com as exigências do regulamento para efetivar a proteção ao direito à privacidade. Nesse sentido, o Tribunal cita decisões nos processos C-131/12 e C-136/17.
O funcionamento de um site de busca se baseia na utilização de uma ferramenta com rastreadores que varrem a web à procura de novos conteúdos ou da atualização deles. Ao identificar as informações, capturam o conteúdo e cadastram os links encontrados em sua base de dados para que possam ser localizadas por qualquer usuário a partir de seu navegador. Fazendo uso de palavras-chave, o usuário digita na caixa de pesquisas aquilo que está procurando e, em resposta, o site de busca apresenta uma página com uma lista de sugestão de resultados que, ao serem clicados pelo usuário, direcionam para o link do site inicialmente cadastrado pelo rastreador.
Por sua vez, um site de notícias funciona como um espaço básico de informação. O website tem como principal função organizar essa informação de modo objetivo, estruturando uma hierarquia para que todo o conteúdo seja entendido e acessado com facilidade. Pode-se dizer que um website nada mais é que um grande arquivo em que, se estiver bem organizado, encontra-se facilmente a informação procurada.
Neste caso concreto, o Tribunal de Justiça recorda que o direito à proteção dos dados pessoais não é um direito absoluto e que deve ser interpretado e aplicado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, observado o princípio da proporcionalidade. Assim, o GDPR prevê expressamente no artigo 17º, nº 3, “a” que o direito ao apagamento dos dados é excluído quando o tratamento seja necessário ao exercício do direito à liberdade de informação. Portanto, a aplicação do direito da União no caso analisado demanda a ponderação dos princípios citados.
Nesse ponto, o julgamento se vale da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 165), que estabeleceu critérios para essa ponderação, como: i) a contribuição para um debate de interesse geral; ii) o grau de notoriedade da pessoa afetada; iii) o objeto da reportagem; iv) O comportamento anterior da pessoa em causa; v) o conteúdo; vi) a forma e as consequências da publicação; vii) o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas; e viii) a veracidade dessas informações.
Desse modo, o TJUE conclui que a exatidão das informações publicadas é relevante para determinar qual princípio deve prevalecer, pois a liberdade de informação não inclui o direito de difundir informações inexatas, quando estas não possam ser consideradas de caráter menor em relação à totalidade do conteúdo.
O ônus de provar a inexatidão das informações incumbe ao autor do pedido de supressão, sendo cabível a relativização deste conforme as circunstâncias do caso concreto. Nesse aspecto, o Tribunal de Justiça não considera razoável a exigência de apresentação de decisão judicial obtida contra o autor da notícia a ser suprimida, ou seja, cabe ao requerente unicamente fornecer os elementos de prova que lhe possa razoavelmente ser exigido que procure.
Quanto às obrigações e responsabilidades que incumbem ao operador do motor de busca, o Tribunal de Justiça considera que, após o pedido de supressão de referências, este deve verificar se um conteúdo pode continuar a ser incluído na lista de resultados das pesquisas efetuadas por intermédio do seu motor de busca. Contudo, não deve ser imposto a este, um papel ativo na pesquisa de elementos de fato que não constem no pedido de supressão de referências, nem mesmo para o estabelecimento de um contraditório.
Dessa forma, quando o requerente da supressão de referências apresentar elementos de prova pertinentes e suficientes, adequados para fundamentar o seu pedido e demonstrar o caráter manifestamente inexato das informações que figuram no conteúdo apresentado, mesmo que sem decisão judicial, o operador do motor de busca é obrigado a deferir esse pedido. Por outro lado, se o caráter inexato das informações que figuram no conteúdo apresentado não se revelar de modo manifesto à luz dos elementos de prova fornecidos pelo requerente, esse operador não está obrigado, na falta de tal decisão judicial, a deferi-lo.
*Aline Beltrame de Moura
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina
Coordenadora do Jean Monnet Network BRIDGE
**Rafael Rodigheri Alves da Silva
Mestrando em Direito Internacional, Econômico e Comércio Sustentável na UFSC