Gabriel Miodownik* e Carla Lerin**
O dia sete de junho de 2025 foi marcado por um atentado a um pré-candidato à presidência da Colômbia, senador Miguel Uribe Turbay, em que resultaram graves ferimentos causados por tiros, durante o ato de sua campanha em Bogotá[1]. Miguel Uribe faz parte do Partido Centro Democrático e, em 2024, anunciou sua vontade de concorrer à presidência nas eleições de 2026, com o intuito de suceder Gustavo Petro, atual chefe de Estado e seu opositor político. Entretanto, no dia 11 de agosto de 2025, o pré-candidato veio a falecer. Esse episódio com atentado, portanto, retoma o traumático contexto histórico da Colômbia, marcado pela violência política e narcotráfico.
Breve Histórico da Política Colombiana
Apresentando brevemente, desde sua independência (1819) a Colômbia enfrentou instabilidades políticas, especialmente, pela rivalidade existente entre duas visões: a de Simón Bolívar (Estado centralizado e forte) e a de Francisco de Paula Santander (federalismo e liberalismo). As divergências políticas sempre fizeram parte da história colombiana, porém, é de se destacar a criação de dois partidos: o Conservador (liderado por apoiadores de Bolívar) e o Liberal (liderado por apoiadores de Santander). São partidos que possuem até hoje grande relevância e ecoam na política atual da Colômbia, apesar de terem perdido protagonismo para novas forças, continuam influenciando o ambiente político. Os Bolivarianos defendem um Estado centralizado, forte e com liderança carismática (que hoje se reflete em Uribe e em Petro). Já os Santanderistas priorizavam instituições liberais, federalismo e educação (trazendo a influência para o atual Partido Liberal).
Contudo, outro fator que é um grande influenciador na política interna da Colômbia é a questão do narcotráfico, que desde os anos 70 começou a moldar a política e a economia colombiana. Sua influência explodiu nas décadas de 1980 e 1990, se transformando em um dos maiores desafios do país. O narcoterrorismo impactou gravemente a sociedade colombiana, como, por exemplo, com o assassinato de juízes, jornalistas e políticos. Destaca-se que, uma das jornalistas sequestradas e mortas nesses acontecimentos foi Diana Turbay, mãe de Miguel Uribe, a mando de Pablo Escobar. Este caso foi retratado no livro Notícia de um Sequestro (1996), de autoria de Gabriel García Márquez, sendo um de vários exemplos de como o impacto do narcotráfico nas décadas passadas molda o cenário político atual.
O Cenário Político Atual
O atentado contra Miguel Uribe reacende preocupações com a violência, influenciando novamente a política colombiana. O país sofreu diversas instabilidades políticas nas últimas décadas e se encontrava em um estado ‘’estável’’, apesar de que muitos especialistas explicam haver uma dificuldade de governabilidade nos últimos 30 anos decorrente da influência do narcotráfico. Em 2016, houve uma tentativa de apaziguamento entre o governo colombiano e a FARC-EP, Forças Armadas da Colômbia – Exército do Povo, mas diversos obstáculos surgiram na implementação deste acordo. Posteriormente, com a eleição de Gustavo Petro como primeiro presidente de esquerda do país, a implementação desse acordo foi estabelecida como uma de suas principais prioridades políticas.
O acordo de paz assinado em 2016, durante o mandato de Juan Manuel Santos, objetivava colocar um fim nesse conflito que perdurou mais de 50 anos e vitimou mais de 260 mil mortos, além de deixar marcas em milhões de pessoas. Após o acordo, milhares de guerrilheiros entraram na vida civil, entregaram suas armas e fundaram um partido político conhecido como Força Alternativa Revolucionária do Comum.
Entretanto, antes da assinatura do acordo, um plebiscito foi realizado e o acordo foi rejeitado pela maioria da população (50,21% votos contra, e 49,78% votos a favor), fato esse que não impediu que o acordo fosse assinado após algumas negociações. Anos depois, o saldo do acordo não é consensual no país, o que gera diversos problemas em sua implementação, como, por exemplo, a entrega de terras da reforma agrária, o combate ao narcotráfico, a velocidade da implementação da justiça e o assassinato de defensores de direitos humanos e de ex-combatentes dissidentes que retornaram às armas. Essas e muitos outros temas, que foram abordadas neste acordo, ainda são questões atuais da política colombiana e são frequentemente discutidas nos debates políticos do país[2].
Ainda assim, com o atentado ocorrido com Miguel Uribe, o governo de Petro diz que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) poderiam estar envolvidas na morte do possível candidato à presidência. As FARC, no entanto, negam tal envolvimento[3]. Por fim, essa crise atual política colombiana indica uma conexão com a questão do narcotráfico.
O Estado de Direito Colombiano e Influências Externas
A Colômbia possui uma democracia presidencialista com eleições para presidente e congresso a cada 4 anos, similarmente ao Brasil. O estado colombiano é um dos aliados chave do ocidente na América Latina, se alinhando fortemente com os Estados Unidos (EUA). Esse envolvimento dos dois países deve-se ao fato de que os estadunidenses tiveram diversos esforços contra terroristas e contra narcóticos no país, essa interação evoluiu de uma relação apenas contra crimes relacionados às drogas para também incluir diversas cooperações bilaterais, incluindo comércio, migrações e problemas ambientais[4]. Apesar dessa forte coalizão, com os diversos avanços políticos do atual presidente Donald Trump, essa e muitas outras alianças internacionais estão se desgastando, haja vista a aplicação de taxas e a adoção de políticas externas de deportação adotadas pelo Estado norte-americano.
Estas políticas geraram grande tensão no início deste ano, especialmente com a repatriação de imigrantes colombianos irregulares presentes nos Estados Unidos e com a revogação do visto de Gustavo Petro que, segundo o presidente, agora não poderá viajar aos Estados Unidos. Além disso, o presidente colombiano recentemente denunciou uma suposta tentativa de golpe de Estado contra seu governo, alegando uma conspiração envolvendo o ex-chanceler Álvaro Leyva. De acordo com reportagens veiculadas em diversos jornais como o El País, CNN e outros. O suposto plano teria sido articulado por Leyva em conjunto com políticos do Partido Republicano dos Estados Unidos com o objetivo de derrubar Petro[5][6].
Frente à toda essa situação na política colombiana, a Vice Presidente da Comissão Europeia, Kaja Kallas, fez diversas observações reiterando a total solidariedade da União Europeia com o senador Uribe e com o povo da Colômbia. Em seu discurso, ela também destacou a importância do acordo de paz de 2016 para a prosperidade da democracia na sociedade colombiana e acrescentou o compromisso da União Europeia em auxiliar nas eleições da Colômbia — caso as condições do acordo sejam atendidas — por meio do envio de uma Missão de Observação Eleitoral, a fim de apoiar o país nas próximas eleições gerais.
A União Europeia preza por uma Colômbia forte e democrática como parceira estratégica no cenário internacional, alinhada em valores e objetivos comuns para enfrentar desafios compartilhados, como migrações, mudanças climáticas, além do combate ao narcotráfico e ao crime organizado[7].
O Estado de Direito Colombiano e as influências do Narcotráfico e narco terrorismo
O Estado de Direito na Colômbia, embora seja formalmente consolidado por uma Constituição democrática e por instituições que garantem a separação dos poderes, permanece vulnerável a pressões históricas oriundas do narcotráfico e narcoterrorismo. Desde o final do século XX, o poder paralelo de grupos paramilitares não apenas corroeu a segurança pública como também penetrou nas estruturas públicas e políticas, produzindo uma herança de instabilidade institucional.
A morte de Miguel Uribe Turbay demonstra a violência que existe nas diversas áreas políticas e sociais, frequentemente associadas a redes criminosas ligadas ao narcotráfico, ainda capazes de ameaçar figuras públicas e gerar insegurança no processo democrático. Dessa forma, esse cenário alimenta um ciclo de desconfiança nas instituições, prejudicando a percepção de eficácia do Estado em garantir a segurança de seus cidadãos e de seus representantes.
O narcoterrorismo, ao combinar a lógica da violência armada com a intimidação política, não apenas compromete a segurança física dos cidadãos e autoridades, como também distorce o cenário democrático, influenciando agendas políticas e restringindo o debate público. Esse fenômeno enfraquece o princípio de igualdade política, já que candidatos e partidos que se opõem a interesses ligados ao narcotráfico podem ser intimidados ou eliminados.
Segundo o site Freedom House, que faz um monitoramento de democracias ao redor do globo, a Colômbia é classificada como um país livre, porém, com algumas ressalvas em liberdades civis, principalmente em relação à liberdade na internet[8]. A República Colombiana enfrentou e enfrenta diversos obstáculos políticos e hoje, mais do que nunca, a democracia colombiana deve se mostrar mais forte e continuar seu legado como uma das democracias mais antigas e consolidadas da América Latina.
Entretanto, é de se observar que o histórico do narcotráfico e narcoterrorismo não apenas deixou marcas severas e profundas na sociedade colombiana, mas continua a interferir de forma constante a capacidade do Estado de exercer de forma plena e imparcial o Direito. Essa forte influência, que se dá via ataques violentos e ameaças que resultam em insegurança social, fragiliza a confiança pública, nacional e internacional nas instituições e ameaça o funcionamento equilibrado da democracia, configurando um fator concreto de enfraquecimento do Estado de Direito no cenário político atual.
Fontes:
[1]Atentado acende preocupação sobre democracia na Colômbia. CNN Brasil.
https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/atentado-acende-preocupacao-sobre-democracia-na-colombia-diz-professora/
[2]Cinco anos após acordo de paz, Colômbia ainda luta por segurança e reparação. CNN Brasil. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/cinco-anos-apos-acordo-de-paz-colombia-ainda-luta-por-seguranca-e-reparacao/
[3]Dissidentes da Farc negam envolvimento em ataque a senador na Colômbia. Terra. https://www.terra.com.br/noticias/mundo/dissidentes-das-farc-negam-envolvimento-em-ataque-a-senador-na-colombia,892ac0c233ec0ab25e9c14c2dcca6209g6q79pdf.html
[4]Colombia: Background and U.S. Relations. Congress.gov. https://www.congress.gov/crs-product/R48287#:~:text=Colombia%20has%20been%20a%20key,(FARC)%20insurgency%20to%20negotiate.
[5]EUA e Colômbia escalam tensão ao chamarem representantes para consultas. UOL. https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2025/07/03/eua-e-colombia-escalam-tensao-ao-chamarem-representantes-para-consultas.html
[6]Estados Unidos llama a consultas a su embajador interino en Bogotá por las “declaraciones infundadas” del Gobierno de Colombia. El Pais
https://elpais.com/america-colombia/2025-07-03/estados-unidos-llama-a-consultas-a-su-embajador-interino-en-bogota-por-las-declaraciones-infundadas-del-gobierno-de-colombia.html
[7]Remarks by High Representative/Vice-President Kaja Kallas at the EP Plenary Session on the assassination attempt on Senator Miguel Uribe and the threat to the democratic process and peace in Colombia. EEAS. https://www.eeas.europa.eu/eeas/remarks-high-representativevice-president-kaja-kallas-ep-plenary-session-assassination-attempt_en
[8]Colômbia. Freedom House. https://freedomhouse.org/country/colombia
Great challenges for the government and society. Federal Ministry for Economic Cooperation and Development. https://www.bmz.de/en/countries/colombia/political-situation-119856
EU-Colombia, relations factscheet. EEAS. https://www.eeas.europa.eu/eeas/eu-colombia-relations-factsheet_en
El viaje por la República de Colombia en 1823. Gaspard-Theodore Mollien. https://babel.banrepcultural.org/digital/collection/p17054coll10/id/3161
Colombia: A Concise Contemporary History. Michael J. LaRosa Rhodes College; German R. Mejia. https://dokumen.pub/colombia-a-concise-contemporary-history-3nbsped-1538177102-9781538177105.html
*Gabriel Miodownik
Graduando em Direito UFSC.
**Carla Lerin
Doutoranda em Direito PPGD UFSC. Bolsista CNPQ.