Análise do posicionamento da República de Portugal frente ao Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável (TSD) do Acordo de Associação UE-Mercosul

Maria Laura Pereira*

Portugal é uma república semipresidencialista, aderindo, em 1986, à Comunidade Econômica Europeia, sendo o 11º país a compor o bloco. Hoje é Estado-membro da União Europeia e integra a Zona do Euro e o Espaço Schengen [1].

Sua relevância no bloco europeu se manifesta ao atuar como ponte entre a União Europeia e a América e África lusófona e defendendo a priorização de tais relações transatlânticas na agenda do Conselho Europeu – posição que é reiterada pelo seu presidente, António Costa [2]. Ademais, possui valor histórico dentro da organização, sendo a sua capital o lugar de nascimento e firma do Tratado reformador da UE – o Tratado de Lisboa, em 2007.

Economicamente, após a Revolução dos Cravos, o país passou por um processo de modernização e abertura, sendo, hodiernamente, composto de maneira predominante pelo setor de serviços, em especial o turismo. Em seu setor secundário, possui indústrias de transformação relevantes, como a eletrônica, energética e farmacêutica. No setor primário predomina a tradição agrícola em azeites e vinhos [3].

Como supracitado, a economia portuguesa é composta principalmente pelo setor terciário, que responde por cerca de 75% do VAB (Valor Adicionado Bruto) e 70% dos empregos. O setor industrial, secundário, representa, em média, 22% do VAB e 24% dos postos de trabalho, com destaque para as indústrias eletrônica, energética e farmacêutica. Já a agricultura, setor primário, corresponde a 3% do VAB e 6% dos empregos [4], com produção marcante de azeites e vinhos – que comporão as 36 regras de indicações geográficas presentes no capítulo 13 e anexo do referido acordo [5].

No comércio com o Mercosul, o Brasil é o parceiro mais relevante: 3,47% das importações e 1,44% das exportações portuguesas são direcionadas ao país, embora com déficit na balança comercial de quase 2,6 bilhões de euros [6]. A Argentina representa 0,17% das importações e 0,08% das exportações [7], o Paraguai apenas 0,01% e 0,02% [8], e o Uruguai 0,08% e 0,02%, respectivamente [9].

Os principais produtos importados por Portugal são combustíveis, produtos minerais e agroalimentares, enquanto exportam produtos químicos, farmacêuticos, maquinários e relacionados ao setor de transportes.

O setor agrícola português pode ser favorecido com a redução de tarifas sobre azeites, vinhos e queijos, ampliando suas exportações para os países do Mercosul. A indústria de transformação também se beneficiaria com maior acesso ao mercado do Mercosul para produtos farmacêuticos, maquinários e bens industriais. Exemplos de cooperação já existem, como a parceria entre a Embraer, brasileira, e a empresa portuguesa OGMA no setor aeronáutico [10].

Há receios, porém, de que agricultores portugueses voltados à agricultura e pecuária familiar percam competitividade diante da concorrência do Mercosul. Questões fitossanitárias, como o uso de agrotóxicos e hormônios em carnes, também são levantadas pela imprensa e por alguns eurodeputados portugueses, ainda que tais comentários estejam, em sua maioria, direcionados ao mercado europeu que especificamente ao português [11].

O governo português manifesta apoio firme ao Acordo UE–Mercosul. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa defende sua rápida ratificação, destacando ganhos históricos, culturais e econômicos, sobretudo nas relações com o Brasil [12]. O primeiro-ministro Luís Montenegro classificou o acordo como “histórico”, ressaltando oportunidades em emprego, investimentos e comércio [13]. O Ministro da Economia, por sua vez, reforçou o momento oportuno para fortalecer vínculos transatlânticos [14].

No Parlamento, a maioria dos 21 eurodeputados portugueses acompanha essa posição, reforçando a importância geopolítica do tratado, a exemplo de Lídia Pereira e Hélder Sousa Silva, vinculados ao Partido Social Democrata (PPE) [15].

A oposição parte sobretudo de representantes ligados ao setor agrícola, que exigem salvaguardas adicionais – entretanto não possuem força política suficiente para barrar a ratificação, quando analisado do recorte português.

Entre os grupos da sociedade civil contrários à ratificação do Acordo, destacam-se a Confederação Nacional da Agricultura Portuguesa (CNA), ligada à Coordenação Europeia Via Campesina (ECVC), e a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Ambas expressam preocupações quanto ao impacto do acordo sobre a agricultura familiar, alegando que as salvaguardas previstas não seriam suficientes para mitigar os efeitos negativos que a eventual ratificação do Acordo teria sobre o seu setor produtivo [16].

A CNA critica ainda a falta de transparência e debate democrático nas negociações, enquanto a CAP busca abrir diálogo sobre compensações e mecanismos de proteção. As estratégias de atuação incluem lobby político, campanhas públicas e articulação com entidades europeias para pressionar pela inclusão de garantias mais robustas no acordo.

Ainda assim, a nação portuguesa e seus representantes se demonstram altamente favoráveis à ratificação do Acordo de Associação UE-Mercosul, tendo os seus interesses especialmente protegidos pelo capítulo 18 e anexos de comércio e desenvolvimento sustentável e 13 e anexos de propriedade intelectual e indicações geográficas. Para António Costa e chefes portugueses, a rápida incorporação do acordo é medida necessária para reforçar a ponte transatlântica entre blocos e diversificar o leque de parceiros comerciais da União Europeia [17].

[1] Cronologia da UE. Disponível em: https://eurocid.mne.gov.pt/artigos/cronologia-da-ue.
[2] Américas. Disponível em: https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/politica-externa/temas-regionais/americas.
[3] Sobre Portugal. Disponível em: https://portaldiplomatico.mne.gov.pt/sobre-portugal.
[4] Síntese Estatística de Conjuntura: nº 36/2025. 2025. Gabinete de Estratégia e Estudos – República Portuguesa. Disponível em: https://www.gee.gov.pt/pt/lista-publicacoes/sintese-de-conjuntura/2025/10435-sec-n-36-2025/file.
[5] Debate sobre o Impacto do Acordo de Comércio UE-Mercosul na Agricultura Portuguesa*. 2025. Disponível em: https://www.gpp.pt/index.php/noticias/debate-sobre-o-impacto-do-acordo-de-comercio-ue-mercosul-na-agricultura-portuguesa.
[6] Comércio Internacional Portugal – Brasil. 2025. Gabinete de Estratégia e Estudos – República Portuguesa. Disponível em: https://www.gee.gov.pt/pt/lista-publicacoes/estatisticas-de-comercio-bilateral/Brasil/1512-comercio-internacional-de-portugal-com-brasil/file.
[7] Comércio Internacional Portugal – Argentina. 2025. Gabinete de Estratégia e Estudos – República Portuguesa. Disponível em: https://www.gee.gov.pt/pt/lista-publicacoes/estatisticas-de-comercio-bilateral/Argentina/1497-comercio-internacional-de-portugal-com-argentina/file.
[8] Comércio Internacional Portugal – Paraguai. 2025. Gabinete de Estratégia e Estudos – República Portuguesa. Disponível em: https://www.gee.gov.pt/pt/lista-publicacoes/estatisticas-de-comercio-bilateral/Paraguai/1697-comercio-internacional-de-portugal-com-paraguai/file.
[9] Comércio Internacional Portugal – Uruguai. 2025. Gabinete de Estratégia e Estudos – República Portuguesa. Disponível em: https://www.gee.gov.pt/pt/lista-publicacoes/estatisticas-de-comercio-bilateral/Uruguai/1779-comercio-internacional-de-portugal-com-uruguai/file.
[10] Acordo Mercosul-UE aumenta benefícios para Brasil e Portugal, disse Alckmin. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/planalto/pt-br/vice-presidencia/central-de-conteudo/noticias/acordo-mercosul-ue-aumenta-beneficios-para-brasil-e-portugal-disse-alckmin
[11] Acordo UE-Mercosul é mais uma machadada para os agricultores de Portugal. 2024. Disponível em: https://www.abrilabril.pt/nacional/acordo-ue-mercosul-e-mais-uma-machadada-para-os-agricultores-de-portugal.
Acordo UE-Mercosul une ambientalistas e agricultores na contestação. 2025. Disponível em: https://www.publico.pt/2025/09/07/azul/noticia/acordo-uemercosul-une-ambientalistas-agricultores-contestacao-2146236.
Analyse de l’accord entre l’UE et les États-Unis par ECVC. 2025. Disponível em: https://www.eurovia.org/fr/publications/ecvc-analyse-de-l-accord-entre-l-ue-et-les-etats-unis/.
[12] Efe Agência de Notícias. Portugal comemora acordo UE-Mercosul e pede rapidez em criação de mercado comum. 2024. Disponível em: https://exame.com/mundo/portugal-comemora-acordo-ue-mercosul-e-pede-rapidez-em-criacao-de-mercado-comum/.
[13] Montenegro avisa que Europa dará “mau exemplo” se não implementar acordo com Mercosul. 2025. Disponível em: https://cnnportugal.iol.pt/mercosul/uniao-europeia/montenegro-avisa-que-europa-dara-mau-exemplo-se-nao-implementar-acordo-com-mercosul/20250618/6852d042d34e3f0bae9f85ff#google_vignette.
Na Fiesp, primeiro-ministro português defende acordo Mercosul-UE. 2025. Disponível em: https://www.fiesp.com.br/sindimov/noticias/na-fiesp-primeiro-ministro-portugues-defende-acordo-mercosul-ue/.
[14] Para Portugal, momento histórico favorece acordo entre UE e Mercosul. 2025. Disponível em: https://fiesc.com.br/pt-br/imprensa/para-portugal-momento-historico-favorece-acordo-entre-ue-e-mercosul.
[15] Debate sobre o Acordo Comercial UE-Mercosul (2025/2558(RSP)). 2025. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/CRE-10-2025-02-13-ITM-003_EN.html.
[16] United Call by EU Farmers’ and Agricultural Workers’ Organisations to Oppose the EU-Mercosur Trade Agreement. 2025. Disponível em: https://www.eurovia.org/news/united-call-by-eu-farmers-and-agricultural-workers-organisations-to-oppose-the-eu-mercosur-trade-agreement/.
ECVC junta-se à manifestação de 4 de Setembro em Bruxelas. 2025. Disponível em: https://www.cna.pt/news/show/915](https://www.cna.pt/news/show/915.
Marta Guedes. Bifes por carros, o tóxico acordo UE-Mercosul. 2024. Disponível em: https://www.publico.pt/2024/11/29/opiniao/opiniao/bifes-carros-toxico-acordo-uemercosul-2113756.
Aline Flor e Lusa. Ambientalistas voltam a alertar para perigos do acordo UE-Mercosul. 2023. Disponível em: https://www.publico.pt/2023/07/18/azul/noticia/ambientalistas-voltam-alertar-perigos-acordo-uemercosul-2057258.
[17] Com líder do Conselho Europeu, Lula reforça convicção no acordo Mercosul-União Europeia. 2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202506/com-lider-do-conselho-europeu-lula-reforca-conviccao-no-acordo-mercosul-uniao-europeia.
Vicente Nunes. Para António Costa, acordo Mercosul-União Europeia deve ser assinado em dezembro. 2025. Disponível em: https://www.publico.pt/2025/05/30/publico-brasil/noticia/antonio-costa-acordo-mercosuluniao-europeia-assinado-dezembro-2134968.

*Maria Laura Pereira
Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil.