Lyriel Vangellis Pereira da Silva*
INTROITO
A Irlanda, também conhecida como ilha esmeralda, foi, juntamente com a Dinamarca e o Reino Unido, um dos primeiros países a realizar a adesão à União Europeia durante o primeiro alargamento, em 1973. Localizada no noroeste da Europa, a nação é a terceira maior ilha europeia e a vigésima maior ilha do mundo [1].
O país, possui um sistema republicano parlamentarista [2], tem como línguas oficiais o inglês e o gaélico e possui Dublin [3] como a cidade escolhida para ser a capital.
A adesão da Irlanda à UE foi fundamental para transformá-la em uma economia moderna, aberta e inovadora [4]. O financiamento europeu foi aplicado de forma eficaz para garantir uma infraestrutura moderna e um sistema educacional robusto [5]. Como o resultado desse sucesso econômico, o apoio público à União Europeia se solidificou, fazendo da Irlanda um dos membros mais entusiastas do bloco [6].
A Irlanda tem um histórico de atuação como mediador imparcial e construtor de consensos, qualidade demonstrada durante as suas sete presidências rotativas do Conselho da EU [7]. Destacou-se por facilitar negociações complexas, como a ampliação histórica da UE em 2004, e por gerir crises, como a financeira de 2013.
De acordo com o Gabinete central de estatística (CSO), a população do país é de 5,36 milhões de habitantes [8]. Esse número representa um grande avanço, fruto do crescimento natural e da migração líquida positiva, especialmente quando contrastado com o passado histórico da ilha, que chegou a abrigar 8 milhões de pessoas antes dos períodos de grande fome e guerra.
ECONOMIA
A delegação passou por profundas transformações socioeconômicas ao longo de sua história. Já foi considerada uma das mais pobres da Europa, mas conseguiu reerguer-se e, no início dos anos 2000, transformou-se no “tigre celta”, isto é, um crescimento econômico acelerado [9].
Atualmente o país ocupa o segundo lugar na União Europeia em termos de PIB per capita, com 79 300 EUR, 25° PIB mais elevado a nível mundial [10], 9° maior na União Europeia [10], representando 3 % do PIB total do bloco [2] e ocupa a 11ª posição no IDH [11], tendo alcançado em 2020 a 2ª colocação, resultado de planejamento estratégico e maciços investimentos, principalmente na educação.
O setor de serviços é o principal da economia, respondendo pela maior parcela do PIB [5]. Destacam-se dentro dele a tecnologia da informação, com presença de vários estabelecimentos de grandes corporações como Google, Apple, IBM e PayPal. Os serviços financeiros e a indústria farmacêutica são bastante impulsionados pela forte presença de multinacionais, haja vista que é um dos principais destinos de investimento estrangeiro direto, graças a uma estrutura tributária favorável [12].
A agricultura também é um setor crucial, com 69% dos milhares de hectares de terra considerados adequados para o cultivo, concentrando-se sua produtividade em batata, cereais, maçãs e beterraba, além da exportação de carnes suínas e bovina.
As exportações são majoritariamente compostas por produtos farmacêuticos, máquinas, aparelhos e commodities agrícolas.
Essa forte integração no comércio global coloca a Irlanda em uma posição estratégica para discutir acordos internacionais. Nesse contexto, o potencial acordo de associação entre a União Europeia e o Mercosul emerge como um tema de grande relevância, com implicações diretas para a economia irlandesa, particularmente para seu competitivo setor agropecuário.
POSICIONAMENTO IRLANDES
A delegação da Irlanda adota uma posição cautelosa em relação ao acordo, manifestando preocupação com seus possíveis impactos. Como quinto maior exportador mundial de carne bovina, o país receia que a concorrência resultante do acordo reduza os preços pela metade nos principais mercados europeus. Além disso, teme pelos efeitos negativos sobre seu setor agrícola, uma vez que os países do Mercosul são reconhecidos pela exportação de commodities e produtos agropecuários [13].
O ministro de Empresa, Comércio e Emprego, Peter Burke, reafirmou a postura cautelosa do governo, destacando novamente o agronegócio como um potencial obstáculo [14].
Parlamentares europeus também têm criticado fortemente o acordo. Em discurso durante o debate sobre o tema em fevereiro de 2025, a eurodeputada Lynn Boylan classificou o acordo como “podre”, argumentando que é amplamente contestado pela opinião pública e pelos europeus. Ela ressaltou que os produtores irlandeses já enfrentam dificuldades para manter a viabilidade e que o acordo pode levá-los ao limite, representando um retrocesso [15].
A parlamentar Nica Carberry expressou preocupação com a rastreabilidade dos produtos importados e a garantia de que estes cumpram padrões equivalentes aos europeus. Já Barry Cowen afirmou que, se a Comissão Europeia oferecesse garantias significativas e compromissos firmes sobre as derrogações na próxima Política Agrícola Comum (PAC), a opinião dos agricultores poderia mudar [15].
A Irish Farmers’ Association (IFA) expressou apreensões, citando que a entrada de produtos agropecuários do Mercosul, que operam sob padrões diferentes, poderia impactar a sustentabilidade econômica dos agricultores irlandeses. A associação também mencionou preocupações com a concorrência, uma vez que os produtores sul-americanos estão sujeitos a normas ambientais e laborais distintas [14].
Há ainda receios quanto ao cumprimento, por parte dos países do Mercosul, dos rigorosos padrões europeus em matéria ambiental, sanitária e de bem-estar animal. O acordo pode saturar o mercado europeu, afetando negativamente os agricultores irlandês. Isso pode elevar potencialmente as perdas de empregos nesse setor, em vez de ganhos [14]. Por esse motivo a delegação defende que o acordo priorize a proteção de seus padrões ambientais e trabalhistas, fortalecendo as salvaguardas do novo acordo, e seja cauteloso com a fiscalização do uso exacerbado de agrotóxico de alto risco pelos países emergentes.
Os agricultores argumentam que não podem competir com os produtores sul-americanos, que beneficiam de custos laborais mais baixos, explorações de maior escala e regulamentações menos restritivas [16]. A Irish Congress of Trade Unions (ICTU) manifesta preocupação com os impactos laborais alertando que o acordo pode resultar em perda de empregos no sector agrícola irlandês e aprofundar desigualdades nos países sul-americanos, onde os padrões laborais são menos rigorosos e menos cautelosos com a saude daqueles que trabalham aplicando agrotóxico. A organização defende a inclusão de proteções sociais claras no tratado [14].
O capítulo 18 do acordo, sobre comércio e desenvolvimento sustentável, estabelece que os países devem seguir padrões trabalhistas fundamentais conforme a OIT. No entanto, levantam-se dúvidas sobre como nações como o Brasil, 11ª no ranking mundial de trabalho análogo à escravidão de acordo Global Slavery Index de 2023, poderão garantir tais padrões [11]. É essencial que as normas promovam o trabalho decente, condições dignas, inspeção do trabalho e não sejam usadas para fins protecionistas.
A Friends of the Earth Ireland critica o acordo por potencialmente fomentar o desmatamento e violar padrões ambientais, especialmente na Amazónia, exigindo cláusulas vinculativas para garantir o cumprimento do Acordo de Paris [17] [18].
Um estudo do Serviço de Pesquisa do Parlamento Europeu (EPRS) sobre o desmatamento na Amazônia Legal brasileira aponta uma trajetória preocupante [19]. O documento revela que, em 2019 o desmatamento da Amazônia Legal disparou para 10.129 km² (uma área semelhante ao território do Líbano), um aumento significativo em relação aos 7.536 km² no ano de 2018. Diante desse cenário, o estudo serve de subsídio para o posicionamento nacional, que teme que o acordo comercial, comada o histórico de desmatamento e falta de fiscalização possa intensificar ainda mais o desmatamento. Haja vista que as nações do Mercosul teriam como objetivo atender não somente a demanda interna, mas também a grande procura do mercado internacional da União Europeia.
A eurodeputada Lynn Boylan também argumenta que o acordo representa um retrocesso nos compromissos climáticos, uma vez que a Comissão Europeia ignorou descaradamente tais compromissos para forçar a aprovação de um tratado que aumentará as emissões e o desmatamento. Além disso, questiona se os europeus desejam consumir alimentos produzidos com químicos há muito tempo proibidos no bloco [15].
Apoiar o acordo também significa endossar a desindustrialização dos países do Mercosul, aprofundando sua dependência da venda de commodities. O tratado pode criar assimetrias estruturais, com as nações do Sul focadas na exportação de matérias-primas e a Europa na venda de produtos industrializados, o que caracterizaria uma prática análoga a um neocolonialismo.
Assim, de modo cauteloso, a Irlanda reconhece que assim como ela a União Europeia está ansiosa para avançar com o acordo, inclusive devido às tensões comerciais com os EUA e à necessidade de diversificar parcerias económicas para reforçar sua presença geopolítica na América do Sul, mas ressalta a necessidade de prudência nas negociações.
REFERÊNCIAS
[1] E-Dublin. “Tudo sobre a Irlanda: guia completo para estudar e trabalhar.” E-Dublin. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.edublin.com.br/irlanda/.
[2] União Europeia. “Irlanda / Países da UE.” União Europeia. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/eu-countries/ireland_pt.
[3] Estudar Fora. “6 países que têm mais de uma língua oficial.” Estudar Fora. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.estudarfora.org.br/6-paises-que-tem-mais-de-uma-lingua-oficial-e-voce-talvez-nao-sabia/.
[4] Department of Foreign Affairs, Ireland. “Ireland in the EU.” Ireland.ie. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.ireland.ie/en/eu/.
[5] Department of Foreign Affairs, Ireland. “About: Ireland in the EU.” Ireland.ie. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.ireland.ie/en/eu/brussels/about/ireland-in-the-eu/.
[6] Centre for International Documentation on Barcelona (CIDOB). “Irlanda: la agricultura y la migración ocupan un lugar destacado en la campaña.” CIDOB. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.cidob.org/publicaciones/irlanda-la-agricultura-y-la-migracion-ocupan-un-lugar-destacado-en-la-campana.
[7] Harris, Simon. “Marking one year to Ireland’s EU Presidency: A look ahead” (Speech by Tánaiste Simon Harris). Government of Ireland. Acesso em 10 de setembro de 2025 https://www.gov.ie/en/department-of-foreign-affairs/speeches/marking-one-year-to-irelands-eu-presidency-a-look-ahead-speech-by-t%c3%a1naiste-simon-harris/
[7] Department of Foreign Affairs, Ireland. “Global Ireland: Ireland’s Global Footprint to 2025.” Ireland.ie. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.ireland.ie/en/global-ireland-strategies/global-ireland-irelands-global-footprint-to-2025/.
[8] The Sun.ie. “Immigration rise as Irish returning home and population ageing.” The Sun. Acesso em 10 de setembro de 2025 https://www.thesun.ie/news/13697532/immigration-rise-irish-returning-home-population-ageing/
[8] Eurostat. “Estrutura da população e envelhecimento.” Comissão Europeia. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://ec-europa-eu.translate.goog/eurostat/statisticsexplained/index.php?title=Population_structure_and_ageing&_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc.
[9] E-Dublin. “Economia da Irlanda: como é e principais características.” E-Dublin. Acesso em 10 de setembro de 2025 https://www.edublin.com.br/economia-na-irlanda/.
[10] Portugal Exporta. “Irlanda.” MyAICEP. Acesso em 10 de setembro de 2025 https://myaicep.portugalexporta.com/mercadosinternacionais/ie/irlanda?setorProduto=-1.
[11] United Nations Development Programme (UNDP). “Human Development Index (HDI).” UNDP. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://hdr.undp.org/data-center/human-development-index#/indicies/HDI.
[11] Tribunal Superior do Trabalho (TST). “Estimativa aponta mais de 1,4 milhão de vítimas de escravidão moderna em países de língua portuguesa.” Brasília, 30 de julho de 2024. https://www.tst.jus.br/-/estimativa-aponta-mais-de-1-4-milhao-de-vitimas-de-escravidao-moderna-em-paises-de-lingua-portuguesa. Acesso em 10 de setembro de 2025.
[12] BBC News Brasil. “Por que Irlanda, França, Itália e Polônia ameaçam acordo Mercosul-UE.” BBC News Brasil. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.bbc.com/portuguese/articles/c4nwl3440lxo. Acesso em: 10/09/2025.
[12] Prom Perú. “Estructura Económica: Irlanda.” Promperú. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://promperu.uk/exportador-irlanda/estructura-economica/.
[12] Observatory of Economic Complexity (OEC). “Pharmaceutical Products in Ireland.” OEC. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://oec.world/en/profile/bilateral-product/pharmaceuticalproducts/reporter/irl.
[13] The Irish Times. “Government to oppose Mercosur trade deal but fears it will be passed.” 4 de setembro de 2025. https://www.irishtimes.com/politics/2025/09/04/government-to-opposemercosur-trade-deal-but-fears-it-will-be-passed/.
[14] Brasil. “França, Itália, Polônia e Irlanda ameaçam acordo Mercosul-UE; entenda.” CNN Brasil. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/franca-italia-polonia-e-irlandaameacam-acordo-mercosul-ue-entenda/.
[15] Parlamento Europeu. “Debates – EU-Mercosur Trade Agreement – Wednesday, 13 February 2025.” Debates, 13 de fevereiro de 2025. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/CRE-10-2025-02-13-ITM-003_EN.html. Acesso em: 10/09/2025.
[15] Brasil de Fato. “Quem ganha e quem perde com um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia?”. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.brasildefato.com.br/colunista/amigos-da-terra-brasil-no-rs/2021/09/28/quem-ganha-e-quem-perde-com-um-acordo-de-livre-comercio-entre-mercosul-e-uniao-europeia/.
[16] Gazeta do Povo. “O que propõe o acordo UE-Mercosul de livre-comércio.” Gazeta do Povo Mundo. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/o-que-propoe-o-acordo-ue-mercosul-livre-comercio/.
[17] G1. “Acordo com o Mercosul: o que está em jogo para quem apoia e para quem resiste.” G1 Economia, 3 de setembro de 2025. https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/09/03/acordo-com-o-mercosul-o-que-esta-em-jogo-para-quem-apoia-e-para-quem-resiste.ghtml.
[18] CNN Brasil. “O que há no acordo UE-Mercosul e por que ele é controverso.” CNN Brasil Economia. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/o-que-ha-no-acordo-ue-mercosul-e-por-que-ele-e-controverso/.
[18] All Ireland Sustainability. “Farming groups reject Mercosur deal proposal.” All Ireland Sustainability, 2025. Acesso em 10 de setembro de 2025 https://www.allirelandsustainability.com/farming-groups-reject-deal-proposal/.
[18] Parlamento Europeu. “O Parlamento Europeu: organização e funcionamento.” Fact Sheets. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.europarl.europa.eu/factsheets/pt/sheet/20/o-parlamento-europeu-organizacao-e-funcionamento. Acesso em: 10/09/2025.
[18] Politico. “European Commission forges ahead with Mercosur, Mexico trade agreements.” Politico EU. Acesso em 10 de setembro de 2025 https://www.politico.eu/article/european-commission-mercosur-mexico-trade-agreement-france-agriculture/.
[18] Eco. “Bruxelas finalizou proposta do acordo com Mercosul. Documento segue agora para os Estados-membros.” Eco, 3 de setembro de 2025 [18] https://eco.sapo.pt/2025/09/03/bruxelas-finalizou-proposta-do-acordo-com-mercosul-documento-segue-agora-para-os-estados-membros/. Acesso em 10 de setembro de 2025.
[18] Jota. “Mesmo com salvaguarda, avanço do acordo Mercosul-UE é contrapeso a aumento da pressão dos EUA.” Jota. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.jota.info/executivo/mesmo-com-salvaguarda-avanco-do-acordo-mercosul-ue-e-contrapeso-a-aumento-da-pressao-dos-eua.
[18] CNN Brasil. “UE irá propor acordo comercial com Mercosul em meio a oposição da França.” CNN Brasil Economia. Acesso em 10 de setembro de 2025. https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/ue-ira-propor-acordo-comercial-com-mercosul-em-meio-a-oposicao-da-franca/.
[19] European Parliamentary Research Service. 2020. EPRS_ATA (2020) 659311_EN: Amazon deforestation and EU-Mercosur deal. Relatório do Parlamento Europeu. Acessado em: 10 de setembro de 2025 .https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/ATAG/2020/659311/EPRS_ATA(2020)659311_EN.pdf
*Lyriel Vangellis Pereira da Silva
Acadêmica de direito na UniFafire, atuante em escritório de advocacia voltado para o direito médico, diretora de assuntos étnicos raciais na Associação Pernambucana de Jovens Juristas, membro da comissão de defesas e assistências às prerrogativas dos advogados na OAB – Olinda e coordenadora de mobilidade no Comitê de Relações estudantis da OAB. / Lyriel.Vangellis@Gmail.com.