Análise do posicionamento da Polônia frente ao Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável (TSD) do Acordo de Associação UE-Mercosul

Thomás Adde Sena Martins*

O atual panorama político, social e econômico da República da Polônia está enraizado fundamentalmente nas transformações sistêmicas promovidas desde o fim da Guerra Fria visando, fundamentalmente, à progressiva abertura política e econômica, assim como à reorientação geopolítica do país em direção ao Ocidente, identificando-se como grande marco desse processo a adesão polonesa à União Europeia em 2004 [1].

Pouco mais de duas décadas depois, a Polônia é a 6ª maior economia da União Europeia e um ator cuja relevância estratégica e postura ativa nas discussões sobre os rumos do continente são cada vez mais notórias [2], sendo imperativo reconhecer sua rápida ascensão econômica [3] e o crescente protagonismo polonês no bloco para se analisar adequadamente a forma como o país se posiciona nas principais discussões no âmbito da UE atualmente.

No que diz respeito ao Acordo de Parceria Mercosul-União Europeia, a Polônia tem se posicionado de forma categórica e explícita contra sua ratificação desde o anúncio original de conclusão das negociações entre os blocos em 2019.

Vale destacar que o posicionamento contrário do país em relação ao Acordo pouco se mostra influenciado pela orientação política ou pela visão sobre a UE do governo em exercício, constituindo uma das raras ocasiões em que os principais blocos partidários do país compartilham essencialmente da mesma visão em um ambiente político fortemente marcado pela polarização.

O atual governo polonês é chefiado pelo primeiro-ministro Donald Tusk, que, após sua primeira passagem pela política nacional, foi eleito para a Presidência do Conselho Europeu, cargo que exerceu entre 2014 e 2019 [4]. Encerrado seu mandato no Conselho Europeu, Tusk retorna à política doméstica polonesa em 2021, reassumindo a liderança de seu bloco político, e então maior partido de oposição, Platforma Obywatelska – PO (centro-direita), visando a disputa das eleições parlamentares de 2023.

No pleito, a oposição obteve maioria em ambas as casas legislativas, resultando na formação de uma ampla coalizão de partidos de centro-direita a centro-esquerda – incluindo o Polskie Stronnictwo Ludowe – PSL, partido historicamente vinculado à defesa dos interesses agrários no país – que desbancou o governo anterior liderado pelo partido eurocético Prawo i Sprawiedliwość – PiS, hoje o principal partido de oposição, e também contrário ao Acordo UE-Mercosul.

A troca de governo teve implicações significantes para a atuação polonesa no âmbito da UE, sobretudo em vista da relação tensa entre o governo anterior e a Comissão Europeia [5], mas pouco parece ter impactado a posição do país a respeito do Acordo UE-Mercosul.

Seja este o fator principal ou não para justificar a sintonia entre governo e oposição sobre o tema, é evidente o alto custo político que a explicitação de uma posição favorável ao acordo UE-Mercosul traria a qualquer partido polonês, por uma simples razão: a irresoluta resistência do setor agropecuário do país ao texto negociado bem ilustrada pelo protagonismo dos fazendeiros poloneses na onda de protestos observados pelo continente europeu contra o acordo [6].

Ainda que o valor adicionado bruto pelo setor agropecuário polonês em % do PIB total tenha se limitado a 2,6% de acordo com dados referentes a 2024 [7] – percentual que pode parecer pouco relevante à primeira vista, mas que é duas vezes maior do que a média da participação do setor na UE [8] – e não obstante a tendência de diminuição de seu peso relativamente a outros setores na economia como o de serviços, o valor gerado pela agropecuária polonesa tem crescido de forma constante e robusta nas últimas décadas.

Chama-se atenção ao valor total das exportações agroalimentares polonesas, que saltou de 5,2 bilhões de euros em 2004 para 47,6 bilhões de euros em 2022 [9], evidenciando a relevância do setor na ascensão econômica recente do país. Essa evolução é indissociável da adesão do país à UE e a sua consequente inserção no mercado único europeu, que conferiu aos fazendeiros poloneses um acesso privilegiado e estável aos consumidores de todo o bloco, que atualmente é o destino de cerca de 80% das exportações agroalimentares polonesas [10], em forte contraste com o menos de 1% destinado ao Mercosul [11].

Com efeito, não é difícil depreender que os agricultores poloneses não nutrem grande otimismo quanto à perspectiva de abertura do que é de longe seu principal mercado para países que, como o Brasil, estão entre os maiores exportadores globais de produtos como carne bovina, frango e açúcar, os quais são particularmente sensíveis para o setor agropecuário da Polônia, por corresponderem a uma parcela significativa das exportações do país para o resto da UE [12].

Assim, a despeito da previsão de compromissos em partes do acordo, dentre elas o Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, buscando garantir que as relações comerciais entre os blocos atendam elevados padrões de sustentabilidade, o governo do país tem ecoado preocupações dos fazendeiros europeus acerca dos possíveis danos à competitividade do setor com a facilitação da importação de produtos mais baratos, mas que potencialmente não atendam os mesmos rigorosos standards exigidos dentro da UE, e seguidos pela agricultura polonesa em termos de proteção ambiental, bem-estar animal, entre outros [13].

Além disso, não há como desassociar a relutância dos fazendeiros poloneses em aceitar o acordo União Europeia-Mercosul do contexto político e econômico atual europeu e polonês, o qual tem sido encarado de forma nitidamente pessimista pelo setor.

Nesse sentido, não há como deixar de mencionar a Guerra da Ucrânia, que, além das repercussões de grande escala para todo o continente europeu, gerou impactos específicos relevantes para o setor agropecuário polonês. Com a invasão russa, a UE assumiu um papel fundamental no amparo à economia ucraniana mediante medidas como a suspensão da cobrança de tarifas aduaneiras sobre produtos agrícolas provenientes do país, que vigorou entre junho de 2022 e julho de 2025.

A abertura do mercado europeu a importações ucranianas mais baratas de produtos sensíveis como grãos, ovos, açúcar e frango aumentou significativamente a pressão competitiva enfrentada pelos produtores europeus, sobretudo de países vizinhos como a Polônia, onde a insatisfação de alguns agricultores resultou até mesmo em protestos na fronteira entre os dois países, não obstante a afinidade entre os países e o apoio vocal polonês à soberania ucraniana no contexto atual [14].

Cabe ainda, no contexto do enfrentamento global da crise climática, mencionar a expansão contínua das políticas ambientais promovidas pela UE, nomeadamente no âmbito do Pacto Ecológico Europeu, que, ao tornarem mais rígidos os já rigorosos padrões de sustentabilidade do processo produtivo agrícola europeu, tendem a acarretar maiores custos sobretudo para os agricultores dos países menos ricos do bloco, o que, em conjunto com a perspectiva de aprovação da abertura do mercado europeu a potências agroexportadoras com standards regulatórios ambientais mais brandos, tem contribuído para a insatisfação do setor agrícola polonês [15].

Ainda assim, vale apontar que a entrada em vigor do Acordo UE-Mercosul poderia trazer oportunidades relevantes para a economia do país ao propiciar a abertura de um grande mercado para exportações polonesas de produtos de alto valor agregado, nomeadamente no setor de serviços e nos setores industriais em que a Polônia se destaca globalmente, tais como a indústria química e a farmacêutica, e até mesmo para exportações de alguns produtos associados ao setor agroalimentar, como chocolate e bebidas [16].

A existência de tais benefícios, no entanto, claramente não tem se mostrado suficiente para influenciar o posicionamento do governo polonês, que não apenas se mantém pouco flexível em sua oposição [17], como também tem buscado se valer do peso institucional detido pelo país ao possuir a 5ª maior população dentro da UE para, juntamente a França [18], protagonizar as tentativas de articulação para a formação de uma minoria de bloqueio que possa impedir a ratificação do acordo quando este for efetivamente submetido à votação por maioria qualificada no Conselho [19].

Apesar disso, desenvolvimentos recentes como a apresentação pela Comissão Europeia da proposta de assinatura e conclusão do Acordo UE-Mercosul ao Conselho [20] têm tornado cada vez mais tangível a perspectiva de aprovação do acordo. Diante desse contexto, espera-se que o governo da Polônia siga expressando sua oposição ao texto negociado, mas passe a recorrer a estratégias mais pragmáticas, como o exercício de pressão para a rigorosa implantação de salvaguardas pela Comissão ou até mesmo por ajustes em políticas internas da UE tais quais a Política Agrícola Comum, visando conciliar a potencial aprovação do acordo com o apaziguamento das tensões domésticas polonesas.

Em suma, a Polônia representa uma das oposições mais vocais ao Acordo UE-Mercosul dentro da União Europeia, particularmente devido aos potenciais prejuízos que a abertura do mercado europeu para exportações do Mercosul poderá ensejar ao influente setor agropecuário polonês, que tem enfatizado suas preocupações concernentes a condições desleais de competição e à disparidade dos respectivos padrões produtivos exigidos em cada um dos blocos. Ademais, o debate travado sobre o acordo permite constatar a atuação cada vez mais proativa da Polônia no bloco, fato que não pode ser dissociado da ascensão do país em termos econômicos e geopolíticos, sobretudo desde sua adesão à União Europeia.

[1] Polônia no Brasil, “20 anos da adesão da Polónia à União Europeia,” Gov.pl. Disponível em: https://www.gov.pl/web/brasil/20-anos-da-adeso-da-polnia–unio-europeia.
[2] Danish Institute for International Studies (DIIS), “Power Moves East: Poland’s Rise as a Strategic European Player,”. Disponível em: https://www.diis.dk/en/research/power-moves-east-polands-rise-as-a-strategic-european-player.
[3] Chancellery of the Prime Minister, “Poland joins the Trillionaires’ Club: A Historic Entry into the World’s Top 20 Economies,” Gov.pl. Disponível em: https://www.gov.pl/web/primeminister/poland-joins-the-trillionaires-club-a-historic-entry-into-the-worlds-top-20-economies.
[4] Conselho da União Europeia, “Donald Tusk — Biografia,” Conselho Europeu e Conselho da UE. Disponível em: https://www.consilium.europa.eu/pt/european-council/former-euco-presidents/donald-tusk/biography/.
[5] Notes from Poland “Tusk meets von der Leyen in Brussels, pledging to restore rule of law and unblock frozen EU funds.”. Disponível em: https://notesfrompoland.com/2023/10/25/tusk-meets-von-der-leyen-in-brussels-pledging-to-restore-rule-of-law-and-unblock-frozen-eu-funds/.
[6] TVP World, “Polish Farmers Protest against EU–Mercosur Deal,”. Disponível em: https://tvpworld.com/83807024/polish-farmers-protest-against-eu-mercosur-deal.
[7] World Bank. “Agriculture, Value Added (% of GDP) [NV.AGR.TOTL.ZS].” World Bank Data. Disponível em: https://data.worldbank.org/indicator/NV.AGR.TOTL.ZS?contextual=default&end=2024&locations=PL&start=1995.
[8] European Commission, “Poland – CAP Strategic Plan,” CAP in My Country: CAP Strategic Plans (European Commission – Agriculture and Rural Development). Disponível em: https://agriculture.ec.europa.eu/cap-my-country/cap-strategic-plans/poland_en;
[9] Blue Europe, “Agriculture in Poland: A Comprehensive Overview,”. Disponível em: https://www.blue-europe.eu/analysis-en/short-analysis/agriculture-in-poland-a-comprehensive-overview/.
[10] Ministry of Agriculture and Rural Development (Poland), “Polish export offer in agri-food products,”. Disponível em: https://www.gov.pl/web/agriculture/polish-export-offer-in-agri-food-products.
[11] Notes from Poland “Poland Will Not Support EU-Mercosur Free Trade Deal in Current Form.”. Disponível em: https://notesfrompoland.com/2024/11/26/poland-will-not-support-eu-mercosur-free-trade-deal-in-current-form/.
[12] Trade.gov.pl, “Polish Food Exports in 2024”. Disponível em: https://www.trade.gov.pl/en/news/polish-food-exports-in-2024/.
[13] Ministry of Agriculture and Rural Development (Poland), “Talks with Ministers of Agriculture during the informal meeting in Copenhagen,” Gov.pl. Disponível em: https://www.gov.pl/web/agriculture/talks-with-ministers-of-agriculture-during-the-informal-meeting-in-copenhagen.
[14] Politico, “Agriculture in Poland: A Comprehensive Overview,”. Disponível em: https://www.politico.eu/article/angry-farmers-push-poland-away-ukraine-war-russia-donald-tusk-rafal-trzaskowski-presidential-election/.
[15] Deutsche Welle (DW). “Poland: Farmers protest against EU climate policies”. Disponível em: https://www.dw.com/en/poland-farmers-protest-against-eu-climate-policies/a-69046184.
[16] Trade.gov.pl, “Polish Food Exports in the Face of Global Challenges,”. Disponível em: https://www.trade.gov.pl/en/news/polish-food-exports-in-the-face-of-global-challenges/.
[17] Ministry of Agriculture and Rural Development (Poland), “AGRIFISH Council meeting: two days of talks on the future of the Common Agricultural Policy and trade relations in agriculture and fishery,” Gov.pl. Disponível em: https://www.gov.pl/web/agriculture/agrifish-council-meeting-two-days-of-talks-on-the-future-of-the-common-agricultural-policy-and-trade-relations-in-agriculture-and-fishery.
[18] Ministry of Agriculture and Rural Development (Poland), “Polish-French Talks on the EU-Mercosur Agreement and the New CAP Financial Perspective,” Gov.pl. Disponível em: https://www.gov.pl/web/agriculture/polish-french-talks-on-the-eu-mercosur-agreement-and-the-new-cap-financial-perspective.
[19] Polskie Radio, “Poland to Vote against EU-Mercosur Deal, Will Lobby Others to Block It: Government Spokesman,”. Disponível em: https://www.polskieradio.pl/395/7786/Artykul/3574218,poland-to-vote-against-eumercosur-deal-will-lobby-others-to-block-it-government-spokesman.
[20] Delegação da União Europeia no Brasil, “Comissão Europeia propõe adoção do acordo UE-Mercosul,” EEAS. Disponível em: https://www.eeas.europa.eu/delegations/brazil/comiss%C3%A3o-europeia-prop%C3%B5e-ado%C3%A7%C3%A3o-do-acordo-ue-mercosul_en.

*Thomás Adde Sena Martins
Estudante de graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Participante da edição nacional do Modelo UE 2025. ORCID: 0009-0008-0895-573X