Análise do posicionamento da Romênia frente ao Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável (TSD) do Acordo de Associação UE-Mercosul

Raphael Krykorka Cerqueira Cesar*

A Romênia, membro da União Europeia desde 2007, recupera-se de um momento de instabilidade política. Após novas eleições serem convocadas por suspeita de interferência externa russa, elegeu-se o pró-europeu e independente Nicușor Dan para a presidência, resultado de um novo processo eleitoral em 2025. Nesse contexto, consolidou-se uma coalizão pró-europeia composta pelo PNL, PSD, USR, UDMR e representantes de minorias nacionais.

A estrutura econômica da Romênia é dominada pelo setor de serviços, que representa 60,73% do PIB, seguido pela indústria (26,69%), com destaque para os ramos automotivo, metalúrgico, químico e têxtil, e pela agricultura (3,88%), voltada à produção de cereais, frutas e hortaliças. Em 2024, as exportações foram lideradas por equipamentos elétricos e eletrônicos (US$ 17,92 bilhões; 18%), veículos (US$ 17,32 bilhões; 17%) e máquinas e reatores (US$ 10,24 bilhões; 10%), evidenciando o peso dos manufaturados de maior valor agregado. As importações concentraram-se em tecnologia, sobretudo equipamentos elétricos e eletrônicos (US$ 19,65 bilhões; 14%) e máquinas e reatores (US$ 15,38 bilhões; 11%), o que demonstra a dependência de bens de capital [1].

A economia romena apresenta crescimento moderado, embora o cenário fiscal ainda seja negativo: em 2024, o déficit atingiu 9,3% do PIB e a dívida pública subiu para 57,4% do PIB [2] . Apesar disso, a Romênia reforça sua importância como relevante parceiro comercial dentro da União Europeia, importando 72,1% e exportando 72% de seus produtos para países do próprio bloco [3]. No campo internacional, o país tem buscado fortalecer sua relevância por meio de compromissos multilaterais, incluindo a adesão a tratados de transição energética limpa [4].

No comércio entre a Romênia e o Mercosul, o Brasil se destacou em 2024 como principal parceiro, tanto por ter sido o maior destino das exportações romenas, que somaram US$ 234,56 milhões, quanto por figurar como o país que mais exportou para a Romênia, com US$ 263,67 milhões no período. A Argentina, em escala menor, registrou exportações romenas de US$ 26,72 milhões e importações de US$ 172,3 milhões. Já o Uruguai movimentou exportações romenas de US$ 10,23 milhões e importações de US$ 12,61 milhões, enquanto o Paraguai apresentou os valores mais modestos da região, com exportações romenas de US$ 1,02 milhão e importações de US$ 409,93 mil [5].
Entre os possíveis ganhos decorrentes do Acordo Mercosul-União Europeia, destaca-se o potencial de favorecer cerca de 250 empresas romenas exportadoras para o bloco, além de aumentar o número de empregos vinculados ao comércio com países do Mercosul. O Mercosul figura como o 12º maior parceiro comercial da Romênia fora da UE, com €229 milhões em exportações e €407 milhões em importações, um fluxo que tende a se intensificar. O tratado prevê a eliminação de tarifas sobre a maioria dos produtos, beneficiando amplos setores econômicos, protegendo 15 indicações geográficas romenas, ampliando o acesso a produtos agrícolas e reduzindo barreiras para 93% das empresas exportadoras [6].

Em contrapartida, críticos fundamentam uma possível concorrência desleal para os agricultores romenos e europeus, forçando-os a competir com produtos mais baratos de países onde os padrões de produção são muito mais permissivos. Nesse sentido, argumenta-se que o acrodo geraria risco a segurança alimentar e a saúde do consumidor, pois os produtos importados do Mercosul não atendem aos rigorosos padrões de qualidade, segurança alimentar e proteção ambiental adotados pela União Europeia, fatores que segundo representantes do agronegócio local fariam o sistema agrícola romeno colapsar. Devido a esse fator, parte considerável da imprensa nacional discorda da aplicação do Acordo Mercosul-União Europeia [7].

Até o momento, o presidente e o primeiro-ministro da Romênia não se pronunciaram oficialmente sobre o Acordo Mercosul–UE. No entanto, o Ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural, Florin Barbu, declarou publicamente que a Romênia é contrária ao tratado. As posições dos partidos políticos, embora relevantes, ainda carecem de informações consolidadas, prevalecendo uma postura de neutralidade criticada pela mídia local como “silêncio político”. A pressão popular, especialmente de associações do agronegócio, tem se intensificado, com a formação de estratégias de lobby no Parlamento para influenciar parlamentares a se movimentarem contra o mesmo. Entre os partidos da coalizão governista, membros do Partido Nacional Liberal (PNL) e do partido oposicionista Aliança para a União dos Romenos (AUR) já se declararam contrários à implementação [8].

No Parlamento Europeu, os eurodeputados, como Daniel Buda (Partido Popular Europeu), se destacaram nos relatórios recentes sobre o acordo. Ambos defendem que sua implementação só deveria ocorrer após reformas estruturais significativas na agricultura, argumentando que há risco de concorrência desleal e de não conformidade dos países do Mercosul às normas europeias sobre agrotóxicos, o que reforça a ideia de uma possível queda do romeno e europeu. Esse posicionamento se alinha ao do Ministro da Agricultura, Florin Barbu, enquanto o presidente e o primeiro-ministro mantêm neutralidade [9].

Entre os atores da sociedade civil, destaca-se a Aliança para a Agricultura e Cooperação, composta por Pro Agro, LAPAR, UNCSV e AFF, organizações ligadas às maiores cooperativas agrícolas da Europa. Essa aliança defende o fim do Acordo Mercosul-União Europeia, alegando que prejudicaria o agronegócio romeno e europeu, já enfraquecido pelas isenções concedidas à Ucrânia. Os representantes argumentam que o tratado é “injusto e desleal” devido ao uso de agrotóxicos proibidos na produção latino-americana que ameaçaria o comércio interno e a saúde dos consumidores e ressaltam que o declínio da agricultura europeia comprometeria a segurança alimentar do continente [10].

Portanto, a posição da Romênia diante do Acordo Mercosul-União Europeia se marca manoratariamente pela neutralidade. Apesar do alinhamento pró-europeu do governo Nicușor Dan e da instabilidade política recente, o debate interno demonstra que o tratado enfrenta entraves estruturais e sociais significativos. De um lado, o acordo oferece perspectivas concretas de ampliação comercial, diversificação de exportações e fortalecimento da presença romena em mercados latino-americanos. De outro, há receios legítimos quanto à perda de competitividade agrícola, ao uso de padrões produtivos mais flexíveis no Mercosul e ao possível impacto sobre a segurança alimentar e o emprego rural. A ausência de uma posição oficial do presidente e do primeiro-ministro e o “silêncio político” das principais forças partidárias refletem o dilema entre ganhos econômicos de longo prazo e pressões internas imediatas. A resistência expressa por entidades agrícolas e por eurodeputados romenos evidencia que, no atual contexto, o país tende a adotar uma postura cautelosa.

REFERÊNCIAS
[1] O’Neill, Aaron. (26 de junho de 2025) “Share of Economic Sectors in the GDP in Romania.” https://www.statista.com/statistics/373136/share-of-economic-sectors-in-the-gdp-in-romania/
[2] Euromonitor. (2 de setembro de 2025) Economy, Finance and Trade: Romania. https://www.portal.euromonitor.com/analysis/tab.
[3] Eurostat (15 de setembro de 2025). Intra and Extra-EU trade by Member State and by product group. https://ec.europa.eu/eurostat/databrowser/view/ext_lt_intratrd__custom_12529090/bookmark/table?lang=en&bookmarkId=b1c04f12-089e-4c9f-90b5-525f981bfa09&c=1723109843344.
[4] Reuters. (3 de setembro de 2024) “Four States Form Venture for Interconnector from Azeri Windfarms”. https://www.reuters.com/business/energy/four-states-form-venture-interconnector-azeri-windfarms-2024-09-03/.
[5] Trading Economics (2025) “Romania: Exports by Category.” https://tradingeconomics.com/romania/exports-by-category.
Trading Economics (2025) “Romania: Exports by Country.” https://tradingeconomics.com/romania/exports-by-country.
Trading Economics (2025) “Romania: Imports by Category.” https://tradingeconomics.com/romania/imports-by-category.
Trading Economics (2025) “Romania: Imports by Country.” https://tradingeconomics.com/romania/imports-by-country.
[6] Comissão Europeia (2025) EU-Mercosur Partnership Agreement – Romania. https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-agreement/factsheet-eu-mercosur-partnership-agreement-romania_en.
Comissão Europeia (2025) Romania – Mercosur Trade Your Town. https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-trade-your-town/romania-mercosur-trade-your-town_en.
[7] Balamăutic, Elena. (4 de setembro de 2025).“AAC: Acordul Mercosur-UE, în forma lui actuală, nu poate fi ratificat și implementat de către România.”. https://agrobiznes.ro/56420-aac-acordul-mercosur-ue-in-forma-lui-actuala-nu-poate-fi-ratificat-si-implementat-de-catre-romania/.
Cosea, Mircea. (31 de julho de 2025) “Doua acorduri, doua probleme pentru Romania”. https://www.em360.ro/doua-acorduri-doua-probleme-pentru-romania/.
Digi24 Economic. (3 de setembro de 2025) “Acordul UE-Mercosur stârnește revolta agricultorii români: prejudicii majore, trebuie respins.” https://www.digi24.ro/digieconomic/macro/acordul-ue-mercosur-starneste-revolta-agricultorii-romani-prejudicii-majore-trebuie-respins-65617.
[8] Ernst, Iulian. (3 de março de 2025) “Romania, EU-Mercosur, Agriculture.” Romania Insider. https://www.romania-insider.com/romania-eu-mercosur-agriculture-march-2025.
[9] Flux de Stiri. (5 de setembro de 2025) “Claudiu Târziu avertizează: agricultura românească este în pericol în contextul reluării negocierilor UE-Mercosur”. https://www.fluxdestiri.ro/politica/claudiu-tarziu-avertizeaza-agricultura-romaneasca-este-in-pericol-in-contextul-reluarii-negocierilor-ue-mercosur.
[10] Agerpres (27 de fevereiro de 2025) https://agerpres.ro/english/2025/02/27/romanian-farmers-voice-support-for-protests-over-unfair-eu-agricultural-policies–1426395

*Raphael Krykorka Cerqueira Cesar
Graduando no bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (USP). ORCID: 0009-0008-5250-5111. E-mail: raphael.cesar@usp.br