Observatory on European Studies _ O TELETRABALHO, A PANDEMIA E A SUA REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL E EM PORTUGAL: AVANÇOS EM SENTIDOS OPOSTOS?
Marco Antônio César Villatore*
Fábio Túlio Barroso**
A prestação de serviços realizada fora do ambiente da empresa incorre em uma modalidade até certo ponto inovadora, levando-se em conta que o modelo-tipo de relações de trabalho subordinado entre sujeitos privados e regulamentado pelo Direito, esteve pautado no binômio empregador e empregado, com realização das atividades produtivas e profissionais no âmbito interno das empresas, como característica do trabalho industrial.
Com a multiplicidade de atividades produtivas e profissionais nos últimos anos, em especial com o advento da informática produtiva e da inteligência artificial, os modelos atípicos de contratação e prestação de serviços passam a ser regulados pela legislação trabalhista, no sentido de enquadrar uma prestação de serviços prestada fora do estabelecimento empresarial e inicialmente no domicílio do empregado. Tinha-se desta forma o trabalho em domicílio no Brasil, até então regulado timidamente pelo art. 6º. da CLT.
Apenas em 2011, por meio da Lei nº. 12.551, que a CLT atualizou o referido artigo da CLT e expandiu o conceito do trabalho prestado territorialmente fora do ambiente territorial do empregador, sendo executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego, admitindo ainda que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Esta subordinação virtual foi um avanço, quando as relações de trabalho já se expandiam para um modelo em que o poder diretivo, inclusive como os meios de controle de jornadas já não cabiam fisicamente no ambiente empresarial, sendo definitivamente um sinal de que o Direito é um reflexo do seu momento.
Por sua vez, a Lei nº. 13.467/2017 implementou a denominada reforma trabalhista, com algumas regulamentações do trabalho prestado fora da empresa, admitindo também a terminologia teletrabalho na CLT como sendo: a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo (Art. 75-B).
Por sua vez, a reforma determinou que os empregados que trabalham no referido regime não são passíveis de controle de jornada (Art. 62, III), o que por consequência, elide a percepção de horas extraordinárias e reduz o custo do fator trabalho.
De igual maneira, o regime de trabalho remoto e com a aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, passa a ser regulado por meio de contrato escrito, entre empregado e empregador, sendo possível, pela forma que o art. 75-D da CLT permite, que o empregado possa arcar com o custo dos insumos para o trabalho, em evidente inversão das responsabilidades empresariais previstas no art. 2º. da CLT, sobretudo num país em plena crise econômica e com mais de 14 milhões de desempregados. Tal concerto pode se transformar em uma sujeição na prática.
Também no mesmo sentido, o Art. 611-A, VIII da CLT, criado com a reforma trabalhista, induz que o que for negociado coletivamente sobre o tema, se sobrepõe ao disposto em lei, ou seja, o que se observa é que a reforma trabalhista brasileira ao atualizar o modelo de prestação de serviços, consegui trazer mais insegurança jurídica e um ambiente de extrema flexibilidade na assunção dos riscos da atividade empresarial pelos empregados, o que foi potencializado com uma situação inesperada que potencializou o trabalho remoto em vários setores da sociedade.
Se é certo que o trabalho remoto ou o teletrabalho permitiram a continuidade das atividades empresariais durante a pandemia, também é certo que a possibilidade de assunção do risco da atividade empresarial pelo empregado também esteve presente nesse período, em ampliação do ambiente precário e sem segurança jurídica que foi estabelecido pela reforma para esta modalidade, sem um limite objetivo de horas trabalhadas, nem das rédeas entre os ambientes profissional e pessoal.
Por outro lado, no país Irmão, Portugal, em recentíssima modificação da legislação específica sobre a matéria, aprovada em 5 de novembro de 2021 pelo Parlamento, que foi inserida no Código do Trabalho português, estabeleceu limites objetivos, no sentido de evitar o abuso do poder empresarial, com regulação e imposição de multas em caso de descumprimento da legislação. O contato do empregador com o empregado que trabalha nesta modalidade só poderá ocorrer quando encerrado o seu expediente de forma excepcional, sendo também estabelecido o encontro presencial a cada dois meses, dentre outras normas que visam adequar a modalidade à vida privada do trabalhador.
Parece que seguimos avanços da legislação em cada um dos países que seguem sentidos opostos: um para a precarização e o outro, para a regulação humanista.
Como o Direito é filho do tempo, há de se pensar que em breve o Brasil siga no caminho oposto, justamente o apresentado pelos Irmãos portugueses.
https://www.esquerda.net/artigo/imprensa-internacional-destaca-novas-regras-do-teletrabalho-em-portugal/77860 Acesso em 10 nov. 2021.
https://www.idealista.pt/news/financas/mercado-laboral/2021/11/08/49602-novas-regras-do-teletrabalho-aprovadas-no-parlamento-quais-sao Acesso em 10 nov. 2021.
DUTRA, Silvia Regina Bandeira; VILLATORE, Marco Antônio César. Teletrabalho e o Direito à Desconexão. Revista Eletrônica - Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, v. 3, p. 142-149, 2014.
VILLATORE, Marco Antônio César; FAYAD, A. K. AS APARENTES PROTEÇÕES AO TELETRABALHO TRAZIDAS PELA LEI N. 13.467/2017 (REFORMA LABORAL) QUE ALTERA A CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. O PSEUDODIREITO À DESCONEXÃO DO AMBIENTE LABORAL ENTRE OUTROS DIREITOS DO TRABALHADOR NÃO CONSIDERADOS NESTA REFORMA. In: Hugo Cavalcanti Melo Filho; Fabio Petrucci. (Org.). DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL DO TRABALHO - UMA INTERLOCUÇÃO ENTRE BRASIL E ITÁLIA. São Paulo: LTr, 2018, v. 2, p. 31-44.
VILLATORE, Marco Antônio César; RODRIGUES JUNIOR, E. L. Novidades sobre o teletrabalho e a Lei n. 13.467, publicada em 13 de julho de 2017: o avanço legislativo e o retrocesso de direitos. i José Affonso Dallegrave Neto; Ernani Kajota. (Org.). Reforma trabalhista ponto a ponto: estudos em homenagem ao professor Luiz Eduardo Gunther. Curitiba: LTr, 2018, v. 1, p. 78-85. https://vlex.com.br/vid/novidades-teletrabalho-lei-n-717730409 Acesso em 10 nov. 2021.
* Marco Antônio César Villatore
Advogado e professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC
** Fábio Túlio Barroso
Advogado e professor da Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP e professor da Faculdade de Direito do Recife da Universidade Federal de Pernambuco (FDR-UFPE)