Observatory on European Studies _ A União Europeia frente aos Balcãs ... mais tempo para o alargamento
Joana Stelzer*
A história da União Europeia (UE) foi construída por sucessivos alargamentos. Até onde se deseja ir e quais são os limites desse avançar (que já possui – ademais – um retroceder, haja vista o Brexit)? Nos anos 50, quando o continente procurava se reerguer sobre os escombros da Segunda Guerra, havia um posicionamento muito claro para evitar um novo conflito armado. Mais do que isso: era necessário colocar os países dentro de suas fronteiras e, concomitantemente, integrar-se em assuntos comerciais e de fonte energética. Era quase uma contradição, mas com inédita engenharia político-jurídica, os desafios foram encontrando soluções e, passados 70 anos, a UE se ergue sobre base sólida.
Do lado ocidental do continente, a história dos Balcãs revela uma das regiões mais complexas da Europa, tendo sido marcada por conflitos e desencontros. A localização geográfica, em parte, explica o contexto, pois a península é um corredor de acesso entre Ásia e Europa. As distintas culturas, religiões e valores destoaram mais de uma vez nessa importante rota comercial, que agora procura conformar-se ao molde comunitário. Não será tarefa fácil.
Quando, no século 12, a Eslovênia e a Croácia ficaram sob domínio dos Habsburgos (originalmente no contexto do Sacro Império Romano-Germânico e, após, do denominado Império Austro-Húngaro); enquanto a Sérvia estava sob controle do Império Bizantino, a discrepância era certa. Em pleno século 20, embora bastante pacificada a situação, ainda restam sequelas, como a migração local ou de regiões mais longínquas: um dilema político-econômico, mesmo na contemporaneidade. Naturalmente, os anos passaram e muitas divergências históricas foram superadas, mas as cicatrizes referentes à consolidação da democracia, dos direitos humanos e, até mesmo, dos assuntos ligados à iniciativa empresarial foram afetados negativamente, circunstância que dificulta o alargamento para integrar os pretendentes.
Na cimeira União Europeia e Balcãs Ocidentais – que reuniu os dirigentes dos Estados-Membros da UE e dos seis parceiros dos Balcãs Ocidentais: a Albânia, a Bósnia-Herzegovina, a Sérvia, o Montenegro, a República da Macedônia do Norte e o Kosovo – foram nutridos muitos anseios, mas os avanços práticos de novas adesões para ao bloco comunitário terão que esperar. Organizada pela Presidência eslovena do Conselho, na cidade de Brdo pri Kranju, diversos assuntos foram discutidos para que se pudesse ter uma perspectiva dos eixos elementares que poderão guiar um futuro alargamento. Cumpre refletir que o sistema político-jurídico da UE sempre se viu sobrecarregado com as incumbências assumidas e não raras vezes teve que tomar medidas gerais para fazer a contenção do excessivo alargamento do bloco. Dessa vez, não será diferente.
Embora a UE reafirme seu apoio aos Balcãs Ocidentais, há iniciativas e compromissos que precisam se consolidar para que as negociações avancem, especialmente quanto à perspectiva europeia sobre a região em assuntos como conectividade, transições ecológica e digital, compromissos no domínio da cooperação política e em matéria de segurança. Sob tal ótica, foi possível perceber que os dirigentes do bloco e dos países que desejam ingressar reafirmaram o mútuo interesse em perseguir uma estratégica comum. O bloco, aliás, possui o compromisso de alargamento e colabora com reformas viáveis dos pretensos ingressantes. Contudo, a UE terá que ser capaz de assegurar o próprio desenvolvimento para viabilizar a integração de novos membros.
Como um dos resultados da cimeira, a denominada declaração de Brdo (de 6 de outubro de 2021) faz referência a uma série de ações concretas a favor dos Balcãs Ocidentais, entre os quais: o Plano Econômico e de Investimento, o compromisso de aumentar a vacinação contra a COVID-19, a Agenda de Inovação, os Corredores Verdes, os planos para os Transportes, entre outros.
Um dos mais impactantes aspectos da aproximação consiste no Plano Econômico e de Investimento. O pacote é substancial e mobiliza cerca de 30 bilhões de euros para a região ao longo dos próximos sete anos. A ideia é que os países parceiros dos Balcãs Ocidentais empreendam reformas econômicas e sociais necessárias, estimulando a competitividade da região. Essas iniciativas terão que trazer a desejada estabilidade para acompanhar a proposta integracionista.
O combate à COVID, por sua vez, também se transformou em importante debate, em decorrência dos impactos econômicos acarretados sobre a sociedade. A UE e os seus Estados-Membros já forneceram aos Balcãs Ocidentais significativas doses de vacina. No entanto, muito mais será necessário por parte dos países parceiros para que acompanhem as iniciativas do bloco, como a criação de Comitês de Segurança, Sistemas de Alerta Rápido, além de iniciativas de saúde pública, a exemplo de contramedidas para a presente e futuras crises semelhantes.
Do ponto de vista ambiental, em harmonia com o Pacto Ecológico (European Green Deal), há um grande empenho do bloco em alinhar os pretensos países a fazer a transição para as denominadas economias modernas, o que significa neutralidade em termos de CO2, eficiência em termos de recursos renováveis, aproveitamento do potencial da economia circular, combate efetivo à poluição, melhoria na gestão de resíduos, entre outros. Esse êxito demandará mudança de mentalidade e empenho severo por parte de empresas e consumidores. Esforços tendentes a assegurar a transição da fonte energética proveniente do carvão para combustíveis renováveis representará singular compromisso.
A Inovação é outro aspecto que merecerá reflexão atenta dos Balcãs Ocidentais. A importância dessa política no bloco é reconhecida, além do fato de estar ligada a outras esferas, como emprego, ambiente, indústria e energia. A inovação consiste em transformar os resultados da pesquisa em novos e melhores serviços e produtos, no intuito de se manter competitiva no mercado mundial, além de viabilizar melhoria da qualidade de vida das pessoas. É nessa esteira que a UE deseja ver os parceiros envolvidos. Na cimeira da Eslovênia foi lançada uma agenda específica para os Balcãs Ocidentais sobre a inovação, a qual deve promover a investigação e a reforma educacional necessária para o avanço científico.
Embora tenha sido um grande passo dos países do Balcãs Ocidentais se estabelecerem do ponto de vista político e econômico, há muito mais por fazer. Para que venha a se concretizar mais um alargamento, os países precisarão reforçar a concretização dos valores e princípios do bloco europeu, investindo em reformas necessárias no interesse dos cidadãos. Com efeito, há um forte empenho desses parceiros na consolidação da democracia, dos direitos e valores fundamentais da pessoa humana, do Estado de Direito, dos esforços contra a corrupção e do crime organizado, do apoio aos direitos humanos, da igualdade de gênero e da atenção às pessoas pertencentes a minorias. Quando esses resultados chegarem para cada um dos parceiros, o bloco passará para o diálogo efetivamente comunitário e o alargamento será um marco histórico de integração e de consolidação do que se chama: Europa.
*Joana Stelzer
Doutora em Direito, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Professora Associada II e credenciada na Pós-Graduação em Direito para Mestrado e Doutorado na UFSC. Pesquisadora.
Coordenadora do Núcleo de Estudos em Fair Trade/Comércio Justo (NEFT).