Observatory on European Studies _ Europa elabora Novo Pacto sobre Migrações e Asilo em resposta à crise migratória

2021-04-27

* Adrian Amaral

** Jaqueline de Andrade dos Santos

Como parte do plano de recuperação da Europa, a Comissão Europeia estipulou seis estratégias prioritárias a serem implementadas em todo o território até 2024. As estratégias variam desde incentivos ao crescimento econômico e criação de empregos, até políticas voltadas à diminuição de impactos ambientais.

Por meio da 5ª prioridade denominada “Promovendo um modo de vida europeu”, a Comissão Europeia propôs, em 23 de setembro de 2020, um Novo Pacto sobre Migrações e Asilo.

Em discussão preparatória desde 2019, o Novo Pacto contou, durante o trâmite de sua elaboração, com duas rodadas de consultas entre os Estados-Membros, a sociedade civil e os Parlamentos Nacional e Europeu, buscando conciliar a necessidade urgente de dar proteção às pessoas que procuram asilo internacional e as questões suscitadas por países que temem um fluxo maior de refugiados do que, de fato, podem suportar.

Visando suprir lacunas do sistema migratório evidenciadas pela crise de refugiados iniciada em 2015, o Novo Pacto propõe uma reforma no sistema a fim de equilibrar a responsabilidade e a solidariedade entre os Países-Membros, fortalecendo a confiança mútua entre as nações por meio de recomendações emitidas pela Comissão, que serão baseadas em relatórios anuais elaborados individualmente por cada país.

Além de incentivar o retorno voluntário ao país de origem, a nova proposta busca submeter as fronteiras externas a um rigoroso controle, no qual pretende-se adotar uma triagem obrigatória antes da entrada em qualquer país europeu. Assim, cidadãos estrangeiros precisarão passar por controles sanitários e de segurança, identificando-se com impressões digitais devidamente registradas em uma base de dados denominada Eurodac.

Com um sistema integrado para manter o controle de quem atravessou as fronteiras da União Europeia (UE), haverá um acompanhamento de cada refugiado ou requerente de asilo - ainda que sua chegada seja irregular -, que possuirá garantias jurídicas destinadas a assegurar o respeito aos direitos humanos.

Na hipótese de determinado país entrar em colapso devido ao grande número de refugiados que chegam em seu território, a Comissão poderá determinar como os demais membros deverão auxiliar o Estado-membro que se encontra sob pressão, ainda que não seja expressamente requerido pelo país afetado. Desta maneira, com procedimentos flexíveis entre as fronteiras internas dos países europeus, os solicitantes de refúgio poderão ser realocados para outros países, ou, ainda, poderão ter seu regresso determinado sob a responsabilização financeira do país europeu.  

Em razão do cenário de crise que assolou a Europa há seis anos, alguns países próximos às rotas do Mediterrâneo apresentaram postura mais resistente em face do Novo Pacto, uma vez que temem que a situação se repita. Em 2015, causas humanitárias como guerras e perseguições políticas, étnicas ou culturais aumentaram significativamente o fluxo de migração, causando desproporcional impacto entre os países-membros. Estima-se que até julho de 2015, 438 mil pessoas[1] pleitearam asilo em países do Bloco Europeu, de tal modo que até final do referido ano, havia 1,25 milhões de pedidos[2]. A título comparativo, o primeiro semestre de 2020 registrou 219.000 pedidos de asilo[3].

Se aprovado, o Novo Pacto sobre Migrações e Asilo deve substituir o Regulamento de Dublin, vigente até então. Não obstante ter sido alvo de mudanças em 2003 e 2013, o Regulamento de Dublin não aborda a repartição de responsabilidade entre os Estados-Membros, prevendo, em vias contrárias, a competência do país de entrada do indivíduo estrangeiro de prestar auxílio e analisar o requerimento de asilo.

Sob essa ótica, a principal alteração promovida pelo Novo Pacto quando comparado ao Regulamento de Dublin diz respeito à responsabilidade compartilhada entre os países europeus, equilibrando os impactos resultantes de migrações, para que novas crises migratórias sejam evitadas. Dessa maneira, com a possibilidade de realocação dos migrantes no território europeu, o ônus que recaia, sobretudo, em países como França, Grécia e Espanha, passa a ser compartilhado.

Atualmente em fase de debate pelos Estados-Membros, o Novo Pacto sofreu críticas embasadas nos Direitos Humanos ao deixar de abordar a criminalização de ONGs que realizam resgates de migrantes no Mediterrâneo. Constantemente processados sob o pretexto de incentivar a migração ilegal, até junho de 2019, países como a Grécia e a Itália haviam investigado e processado, respectivamente, 53 e 38 voluntários de ONGs[4].

Outras críticas foram reunidas sob uma petição do Partido do Parlamento Europeu intitulado “Identidade e Democracia” a fim de evidenciar sua posição contrária à adoção do Novo Pacto. A crítica realizada pelo Partido se baseia na suposta política exagerada de incentivo à migração ao mesmo tempo em que desencoraja-se deportações de sujeitos em situação irregular, de tal forma que, na prática, não haveria diferenças entre migração legal e ilegal. Na mesma linha, afirma-se que, na hipótese de aprovação do Novo Pacto, 68 milhões de migrantes chegarão à Europa nos próximos anos, piorando o desemprego e pondo um fim às diferenças culturais dos países europeus.

Em suma, o Novo Pacto é uma tentativa de harmonizar a segurança jurídica dos Estados-Membros e os seus interesses de crescimento econômico com o bem-estar e o direito de proteção dos povos ameaçados, assegurado por diversas normas e pactos internacionais.

Ainda que represente um progresso na  forma humanitária com que os migrantes devem ser tratados, alguns setores da sociedade europeia encontram-se relutantes com a nova proposta. Por isso o Pacto é tão importante, pois busca uma equidade entre os interesses dos envolvidos, tornando legal a acolhida aos povos migrantes sem que prejudique ou ameace a população dos países acolhedores.

 

[1] Refugiados na Europa: A Crise em Mapas e Gráficos.  https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150904_graficos_imigracao_europa_rm

[2] A Migração na Europa. https://www.europarl.europa.eu/news/pt/headlines/society/20170629STO78632/a-migracao-na-europa

[3] Estatísticas sobre os fluxos migratórios para a Europa.

https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/promoting-our-european-way-life/statistics-migration-europe_pt

[4] RESOMA - Research Social Platform on Migration and Asylum.  http://www.resoma.eu/node/194

 

* Adrian Amaral 

Advogado e Mestrando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina.

** Jaqueline de Andrade dos Santos

Estudante de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina.