Observatory on European Studies - Brasil e outros 16 países em desenvolvimento criticam os possíveis efeitos do Regulamento (UE) 2023/1115 da UE

2023-11-13

Aline Beltrame de Moura*, Carla Lerin** e Betina Machado***

No dia 07 de setembro de 2023 o Brasil e outros 16 países em desenvolvimento (Argentina, Bolívia, Colômbia, Côte d`Ivoire, Equador, Gana, Guatemala, Honduras, Indonésia, Malásia, México, Nigéria, Paraguai, Peru, República Dominicana e Tailândia) assinaram uma carta conjunta endereçada a União Europeia, criticando o Regulamento (UE) 2023/1115, em vigor desde 29 de junho de 2023. 

Este Regulamento estipula que os processos de importação, exportação e comercialização no mercado interno europeu de commodities e outros produtos de base relevantes deverão observar se estes estão vinculados à prática do desmatamento ou contribuíram para a degradação florestal, caso contrário a  entrada destes no mercado será barrada. Isto porque, segundo a Comissão Europeia, a expansão das terras agrícolas para a produção destes produtos, como gado, madeira, óleo de palma, soja, cacau ou café, acelera o ritmo das mudanças climáticas, devendo a União Europeia agir para minimizar tal atividade.

Neste intuito, o Regulamento determina que as empresas europeias só poderão importar e exportar commodities e outros produtos relevantes cuja cadeia produtiva/extrativista seja 100% sustentável. Ou seja: cadeias de produção que, de acordo com a nova normativa, não estejam vinculadas à prática do desmatamento e que não tenham contribuído para a degradação florestal após 31 de dezembro de 2020. Para tal, os importadores europeus deverão promover procedimentos de due diligence para verificação da origem do produto importado.

Contudo, tais procedimentos de verificação não ficarão restritos à área ambiental. A cadeia produtiva das commodities deverá obedecer por completo a legislação interna do país exportador, como os direitos trabalhistas e a demarcação de terras dos povos originários, por exemplo, para que a entrada na UE seja garantida.

O Regulamento também prevê o desenvolvimento, para uso das empresas importadoras europeias, de um sistema de benchmarking para verificar o nível de risco de degradação relacionado às commodities do respectivo país exportador. Assim, através de uma análise de risco, espera-se que a probabilidade de importação de um bem ligado à desflorestação seja reduzida.

Ademais, existe a previsão de medidas restritivas. Neste tópico, a normativa determina que os ordenamentos jurídicos nacionais da UE deverão definir as sanções aplicáveis, caso os requisitos de entrada no mercado europeu não sejam cumpridos. Dentre as opções mencionadas no Regulamento estão as multas, o confisco de mercadorias e de receitas, a suspensão ou proibição de atividades econômicas relevantes e o banimento dos processos de contratação para exportação dos produtores que violem as normas.

A carta endereçada a UE salienta que o Regulamento afetará de forma negativa os países em desenvolvimento, visto que não considera as diferenças sociais, econômicas e legislativas de cada Estado afetado, impondo os mesmos padrões à todos os Estados, independentemente dos recursos que cada um possui para colocá-los em prática. 

Em consequência disso, os países em desenvolvimento afetados pelo Regulamento, sofrerão com efeitos punitivos e até discriminatórios, uma vez que o Regulamento poderá causar  “aumento da pobreza, desvio de recursos e atraso na realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)” tomando proporção diversa da pretendida pela UE. 

Outro ponto em destaque na carta é a possibilidade de os pequenos produtores sofrerem os maiores impactos, sendo excluídos das cadeias de valor internacionais não por consequência do desmatamento, mas sim devido a dificuldade de adequação aos rigorosos padrões estabelecidos, que pode se dar pela falta de investimento para o custeio desta adequação ou ainda pelo acesso limitado a tecnologia e ao treinamento técnico.

Sobretudo, o documento clama pelo estabelecimento de diálogo entre a UE e os países em desenvolvimento, de forma a regulamentar a implementação do Regulamento (UE) 2023/1115 nestes países, dando importância as práticas sustentáveis já praticadas e atentando para as diferenças tecnológicas, o acesso restrito a financiamentos e a falta de treinamento e assistência técnica enfrentada pelos produtores de cada Estado. Além disso, a carta requer que sejam formuladas diretrizes claras que estabeleçam regimes diferenciados aos pequenos produtores, visto que as pequenas e médias empresas europeias serão tratadas de forma mais flexível.

Por hora, a posição da UE se mantém no sentido de implantar tantas medidas de impacto comercial quantas forem necessárias para barrar o avanço da destruição ambiental no mundo, mesmo que estas medidas não sejam amplamente aceitas pelos parceiros comerciais, os quais, terão que acatá-las se desejarem continuar a exportar seus produtos para a UE. No entanto, como o envio da carta ainda é recente, não é possível afirmar se UE manterá sua posição ou a flexibilizará. De todo o modo, a economia brasileira sofrerá impactos, posto que a UE configura como um dos principais parceiros comerciais do Brasil, o que resta saber agora é qual será a dimensão deste impacto.

 

Referências 

https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-presidencial-por-ocasiao-da-cupula-da-amazonia-2013-iv-reuniao-de-presidentes-dos-estados-partes-no-tratado-de-cooperacao-amazonica

https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32023R1115

https://www.conjur.com.br/2022-dez-08/opiniao-ue-amplia-restricoes-commodities-desmatamento

 

*Aline Beltrame de Moura

Professora da Universidade Federal de Santa Catarina

Coordenadora do Jean Monnet Network BRIDGE

**Carla Lerin

Doutoranda em direito UFSC. Bolsista CNPQ

***Betina Machado

Graduanda em direito UFSC. Bolsista PIBIC