Observatory on European Studies - AS ESTRATÉGIAS DOS BRICS E A GUERRA NA UCRÂNIA Como os Brics, integrados pelo Brasil, estão exercendo relevante papel na Guerra

2023-08-23

Foto demonstrators protest in kiev ukraine to demand tougher sanctions on russia from british government

Flávia do Nascimento Madruga* e Tarcísio Gonçalves de A. Souza**

A próxima reunião da Cúpula dos países integrantes dos Brics - Brasil, Rússia, Índia,
China e África do Sul - ocorrerá entre os dias 22 e 24 de agosto deste ano em Johanesburgo,
África do Sul, e deve tratar, especialmente, da entrada de mais países do sul global. Também
deverão ser discutidas as relações com países desenvolvidos em função dos bloqueios
econômicos impostos à Rússia desde o início do conflito com a Ucrânia.
No entanto, o encontro dos Brics tem gerado mais debates e expectativas devido à
provável participação de Vladimir Putin, formalmente convidado pela África do Sul, apesar de
ter mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) em virtude
de supostos crimes cometidos no conflito com a Ucrânia.

Essa é somente uma das várias intersecções entre países integrantes dos Brics e os
efeitos da Guerra na Ucrânia. Com o avanço da influência da China e o histórico peso
geopolítico da Rússia, muito tem se falado sobre o papel dos Brics no cenário internacional e
quais seriam as possibilidades para o Brasil nesse contexto.
A Estratégia de Crescimento do Bloco
Os Brics têm tentado, recentemente, aumentar a sinergia entre os membros de forma a
tornar o bloco mais eficiente e também ampliar o número de integrantes na tarefa de contrapor a
hegemonia dos países ricos do ocidente. Após a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, no Brasil, essa estratégia de crescimento ganhou um novo aliado. Lula, em virtude de sua
proximidade com o presidente venezuelano Nicolás Maduro, já demonstrou sua aprovação a uma
possível entrada da Venezuela no grupo, porém outros países já intencionam fazer parte do bloco
há algum tempo, como é o caso da Argentina, parceiro comercial importante do Brasil, e do Irã.

Essa estratégia de crescimento no número de integrantes do bloco pode modificar a
participação do Brasil, ao dar mais capacidade de diálogo internacional para o grupo e, em
especial, ao Brasil. Porém, é importante que se observe quem são esses novos entrantes e como o
Brasil se posicionará com essas novas participações, afinal, é inevitável que haja uma diluição no
poder de barganha do Brasil em negociações internas do Bloco, que já possui duas potências
como a Rússia e a China.
Outra peça desse complexo tabuleiro geopolítico movimentou-se, recentemente, na
direção de um maior protagonismo do Brasil nessa estratégia de expansão. O Novo Banco de
Desenvolvimento (NBD), popularmente conhecido como Banco do Brics, desde abril deste ano
está sendo presidido pela ex-presidenta da República Dilma Rousseff. O banco foi fundado no
ano de 2014 e, naquela época, era integrado apenas pelos cinco países que compunham os Brics,
porém, em 2021 Bangladesh, Emirados Árabes e o Egito foram incluídos no Banco e, mais
recentemente, houve aprovação da entrada do Uruguai que deve ser formalizada ainda este ano.
Nesse sentido, Dilma, na cerimônia de abertura do encontro anual do banco, afirmou
que o aumento do número de membros irá fortalecer a base de capital do banco. Com o apoio de
Dilma, já existe um movimento para a viabilização da entrada da Argentina no Banco do Brics,
que é entendido como um caminho possível para uma futura adesão ao bloco econômico.
A China, por sua vez, nome de maior peso econômico dentro dos Brics, vem sendo uma
grande incentivadora do processo de amadurecimento do bloco por sua participação cada vez
mais determinante no cenário geopolítico mundial dos últimos anos e por seu interesse em
fortalecer, sob sua supervisão, organizações que dêem relevância para países de regiões até então
menos expressivas e que se contrapunham à hegemonia dos países ricos do ocidente.
Os Brics e A Rússia: uma situação delicada
Essa busca por um aumento da relevância geopolítica do Bloco foi, inevitavelmente,
influenciada negativamente pela guerra na Ucrânia. Por outro lado, o fato de a Rússia integrar o
Bloco fez com que ela não ficasse absolutamente isolada na Comunidade Internacional. Países
como a China e até mesmo o Brasil se colocam numa posição de neutralidade que se não
favorece explicitamente, ao menos não arranha a imagem russa, que vem sendo duramente
atacada ao redor do mundo.
Outro caso ainda mais delicado está na relação entre Índia e União Européia (UE). Essa
última, em virtude das sanções impostas à Rússia, não pode mais adquirir petróleo desse país,
porém tem grandes necessidades de importação dessa commodity por muitas nações que a
integram, a exemplo da Alemanha. A solução encontrada pela UE foi de importar petróleo da
Índia, país esse que está recebendo petróleo da Rússia a preços baixos e repassando para países
da UE a preços de mercado, ou seja, é uma importação indireta de petróleo pela UE da Rússia.
A China também tem comprado petróleo mais barato da Rússia, mas para consumo
interno. Já o Brasil, em virtude de sua alta demanda por fertilizantes, também se viu obrigado a
importar esse produto da Rússia nos últimos meses. Em adição, também temos o caso da África
do Sul que operou um processo de redução das imposições internacionais para receber o
presidente da Rússia, Vladimir Putin, para a Cúpula do Brics, apesar de ter mandado de prisão
em aberto, expedido pelo Tribunal Penal Internacional (TPI). Todos esses fatos somados
corroboram com a tese de que a participação da Rússia nos Brics tem se mostrado um elemento
essencial da sobrevivência econômica e geopolítica da nação liderada por Putin.
Putin vai ser preso?
O fato de Putin ter mandado de prisão em aberto, expedido pelo Tribunal Penal
Internacional (TPI), e mesmo assim ter sido convidado por Cyril Ramaphosa , presidente da
África do Sul, para a Reunião de Cúpula do Brics nesse país, tem sido alvo de grande
controvérsia. A África do Sul é membro do TPI e signatária do Estatuto de Roma, mas tem
debatido, conjuntamente com membros da União Africana (UA) sobre a possibilidade de
retirar-se do Tribunal, sendo que em 2016 chegou a formalizar pedido para retirar-se do acordo
de participação.
Os países da UA têm entendido que o TPI age de modo rígido com países do continente,
aplicando penas altas e de modo mais assertivo que contra países do norte global e seus
representantes. A fim de garantir a participação de todos os países membros dos Brics e de seus
líderes, a África do Sul concedeu imunidade a todos os participantes da Cúpula do Brics
credenciados para o evento.
Com forma de solucionar a questão, o governo da África do Sul concedeu imunidade
diplomática a todos os líderes que estarão presentes na Cúpula do Brics, o que implicaria que o
presidente russo poderia comparecer ao encontro sem que houvesse risco de ser preso por
supostos crimes cometidos no conflito com a Ucrânia. Em contrapartida, partidos de oposição ao
governo do presidente Cyril Ramaphosa declararam que irão recorrer à justiça para garantir que
Putin seja preso. Representantes russos se limitaram a dizer que o país estará devidamente
representado na Cúpula. Certamente as chances de Putin ser preso são remotas, afinal, o líder
Russo jamais se colocaria em situação vulnerável sabendo de sua impopularidade ao redor do
mundo.

* Flávia do Nascimento Madruga 

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina

** Tarcísio Gonçalves de A. Souza

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina