Observatory on European Studies - A destruição da represa de Kakhovka e a responsabilidade das organizações internacionais na solução de conflitos como a guerra russo-ucraniana

2023-07-12

64ae9a1e7b6c8mceclip0.png

Christian Souza Pioner*  Matheus Ghelen**

No final da tarde de 05 de junho de 2023 são veiculadas as primeiras notícias de mais um desenvolvimento na guerra russo-ucraniana, a destruição da represa de Kakhovka, localizada no Rio Dnipro, sul da Ucrânia, nas coordenadas 46°46'42.5"N 33°22'11.8"E.

 A responsabilidade até o momento não resta clara e ambos os lados imputam um ao outro a responsabilidade da destruição. De acordo com informações de Rodrigo Ianhez (2023), historiador que estuda o período soviético e seu desenlace no século XXI, os ucranianos acusam que a Rússia controlava desde outubro de 2022 a represa e nela teriam instalados explosivos frente a possibilidade de uma contraofensiva dos adversários, tendo assim um período maior de tempo para preparação. Ademais, outra justificativa seria a de que trata-se de uma política de terra arrasada russa, na medida em que a explosão da represa efetivamente submergiu cidades inteiras, como Kherson, Krynky e Oleshky, todas sob o controle da Ucrânia.

Ao seu lado, os russos apontam que a região mais afetada é a Crimeia, pois a represa era responsável pelo resfriamento da usina nuclear de Zaporizhzhia e pelo abastecimento de água potável na Crimeia, ambos em controle da Rússia. Ainda defendem os russos que a represa sofrera ataques aéreos ucranianos, e planejavam abertamente destruí-la.

 Ainda de acordo com Ianhez (2023), a experiência histórica confirma a dificuldade em atribuir um responsável no momento. Na Segunda Guerra Mundial, a barragem de Dniepropetrovsk, ao norte do mesmo rio que alimentava Kakhovka, foi implodida duas vezes. A primeira pelos soviéticos que tentavam impedir o avanço alémão na região, e, dois anos depois pelos nazistas, que, após tê-la reparado, a destrói para conter o exército vermelho que se avizinhava.

 As imagens divulgadas em 09 de junho demonstram a dimensão da tragédia e são efetivo prenúncio da possível escalada na violência do conflito, pois não apenas suscitam novas incursões em resposta ao episódio, como também cria uma situação sociopolítica cada vez mais tensionada em direção a continuar a guerra.

    64b828c72bcdbmceclip0.png

Oleshky: Maio/Junho de 2023

Fonte: Viggiano (2023)

 

 

64b828ea926bamceclip1.png

Korsunka: Maio/Junho de 2023

Fonte: Viggiano (2023)

 

 Mesmo com as evacuações, já foram registradas pela Ucrânia ao menos três mortes decorrentes da destruição da represa. A Rússia, por sua vez, computa cinco mortes. De acordo com o Ministério para Situações de Emergência do país, mais de 1.500 pessoas já foram retiradas da região de Kherson. Os danos ambientais e econômicos são, no entanto, incomensuráveis e mesmo diplomaticamente a questão não reverbera positivamente para nenhum dos beligerantes (AGÊNCIA BRASIL, 2023).

  No mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva denunciou publicamente em uma reunião do G7 no Japão as ações tomadas até aquele momento pelos russos e ucranianos: “o que eu sinto é que nem o Putin e nem o Zelensky estão falando de paz neste momento. Me parece que os dois acreditam que alguém vai ganhar e não precisam falar de paz” (JORDÃO, 2023). Ainda, para o brasileiro: “o que nós queremos é que, primeiro, pare a guerra, parem os ataques. E vamos tentar encontrar uma saída negociada. Não é possível construir isso de fora para dentro. Quem tem que querer a paz é a Ucrânia e a Rússia” (JORDÃO, 2023).

 Dentro do ramo do Direito Internacional, um dos pontos fulcrais a se analisar é o papel que as organizações internacionais em um conflito como este possuem, ou seja, se e como são capazes de auxiliar na atenuação de conflitos já deflagrados e na prevenção da ocorrência de novos. A maneira como a Organização das Nações Unidas está atualmente estruturada não é capaz de, pelo protagonismo que possui na diplomacia de todo o planeta, solucionar atritos como os que deflagaram a guerra russo-ucraniana, por exemplo. Dá-se isso, pois, em uma análise histórica da questão percebe-se não ser apenas os beligerantes supracitados os atores fundamentais para se compreender o porquê da guerra. Tal conflito vem sendo gestado desde a dissolução da União Soviética, com a fragmentação do território em diversas repúblicas, como a própria Rússia e a Ucrânia, e a aproximação paulatina da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) dos países satélites de Moscou.

 Aliado a isso, o crescimento da narrativa neonazista em tais países também colabora para o clima de tensão e ações extremistas, principalmente pelo lado ucraniano. Diversas são as notícias veiculadas que apontam para o apoio e a arregimentação de grupos paralimilitares ligados ao nazifascismo para dentro das forças armadas do Estado da Ucrânia, como o Batalhão da Azov. A questão não deve, portanto, receber respostas vazias de conteúdo, ou seja, que apenas atendam anseios efemeros da comunidade internacional e que sejam completamente ineficazes na construção de um novo paradigma, permeado pelo respeito à autodeterminação e à paz.

 Ainda não se sabe exatamente como a destruição da represa de Kokhovka afetará o andamento da disputa entre os países, mas é certo que, independentemente de qual Estado restar vitorioso no conflito, a população de ambos é quem mais sairá perdendo nisso tudo. Não há nada que se comemorar com tal conflito, pelo contrário, há e haverá, sim, um enorme passado pela frente.

           

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGÊNCIA BRASIL (Brasil). Ucrânia diz ter provas de que Rússia destruiu barragem de Kakhovka. 2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-06/ucrania-diz-ter-provas-de-que-russia-destruiu-barragem-de-kakhovka. Acesso em: 09 jun. 2023.

IANHEZ, Rodrigo. Ucranianos afirmam q foram os russos, pois a represa tava sob controle russo e desde outubro de 2022 teria sido instaladas dinamite. Diante da perspectiva de uma contra-ofensiva, a inundação do Dniepr daria mais tempo pros russos se prepararem e dificultaria q o rio fosse cruzado. Twitter: rianhez. Disponível em: https://twitter.com/rianhez/status/1666228244486541312. Acesso em 09 jun. 2023.

IANHEZ, Rodrigo. Mais uma tragédia. A represa destruída trará graves consequências pra região: inundações em diversas cidades, incluindo Kherson, agora em mãos ucranianas, afetará gravemente o abastecimento de água na Crimeia e ainda pode prejudicar o resfriamento da maior usina nuclear da Europa. Twitter: rianhez. Disponível em: https://twitter.com/rianhez/status/1666020487938420738. Acesso em 09 jun. 2023.

JORDÃO, Pedro.  Cada um vai ter que ceder um pouco, afirma Lula sobre guerra na Ucrânia. 2023. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/cada-um-vai-ter-que-ceder-um-pouco-afirma-lula-sobre-guerra-na-ucrania/. Acesso em: 09 jun. 2023.

MILLER, Michel E. Why Putin will fight for Kherson: Fresh water and land bridge to Crimea. 2022. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/world/2022/11/03/kherson-kakhovka-water-crimea-battle/. Acesso em: 9 jun. 2023.

VIGGIANO, Giuliana. ANTES E DEPOIS: imagens de satélite mostram destruição causada por rompimento de barragem na Ucrânia: Pelo menos cinco pessoas morreram afogadas no incidente, que inundou cerca de 600 km². 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2023/06/09/antes-e-depois-imagens-de-satelite-mostram-destruicao-causada-por-rompimento-de-barragem-na-ucrania.ghtml. Acesso em: 09 jun. 2023.

* Christian Souza Pioner

Estagiário de Assessoria Jurídica – TJSC; Gabinete do Des. Marcos Fey Probst; Membro do Corpo Editorial – Revista Avant; Direito – UFSC | História – UDESC

** Matheus Ghelen

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.