Observatory on European Studies - A proposta de Diretiva relativa ao dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade

2023-06-09

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Nuno Cunha Rodrigues*

No dia 23 de fevereiro de 2022, a Comissão Europeia adotou uma proposta de diretiva sobre due diligence de sustentabilidade empresarial.

Está em causa uma nova legislação europeia que irá causar um impacto significativo nos modelos de negócios de muitas empresas, na Europa e fora da Europa.

A Diretiva visa promover um comportamento corporativo sustentável e responsável e ancorar os direitos humanos e as considerações ambientais nas operações comerciais e no modelo de governo das empresas.

As novas regras pretendem garantir que as empresas lidem com os impactos adversos de ações que prossigam, dentro e fora da Europa.

Terá, por isso, um alcance extraterritorial devendo ser olhada com atenção por parte de empresas que, estando localizadas fora do território da União Europeia, aqui prossigam parte da sua atividade.

Estão abrangidas pelo âmbito subjectivo de aplicação da diretiva as grandes empresas europeias bem como empresas de países terceiros que atuam na UE. Prevê-se uma cláusula de introdução progressiva para diferentes tipos de empresas razão pela qual a vacatio legis para a aplicação das regras da Diretiva é também diferente, consoante as empresas em causa (três; quatro ou cinco anos).

Para as empresas da UE, os critérios que determinam se uma empresa é abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva baseiam-se no número de trabalhadores e no volume de negócios mundial líquido da empresa podendo estar em causa empresas “de muito grande dimensão” (com mais de 1000 trabalhadores e 300 milhões de euros de volume de negócios mundial líquido) ou empresas menores (com mais de 500 trabalhadores e um volume de negócios líquido superior a 150 milhões de euros a nível mundial no último ano financeiro ou ainda empresas com mais de 250 trabalhadores e um volume de negócios líquido superior a 40 milhões de euros a nível mundial no último ano financeiro, desde que, pelo menos 50% desse volume de negócios tenha sido gerado em setores de elevado risco (por exemplo, produção e comércio de têxteis, vestuário e calçado, agricultura, pesca, produção alimentar e comércio de matérias-primas agrícolas, pecuária, silvicultura, comércio grossista de produtos alimentares e bebidas ou a extração e comércio de recursos minerais).

No caso das empresas financeiras, competirá aos Estados-membros decidir se ficam abrangidas pelas normas que venham a transpor a Diretiva.

No caso das empresas de países terceiros, o critério está relacionado com o volume de negócios líquido gerado na UE, que deve ultrapassar pelo menos um dos três seguintes critérios, com impacto na vacatio legis da Diretiva (três; quatro ou cinco anos): (a) volume de negócios líquido superior a 300 milhões de euros gerado na EU; (b) volume de negócios líquido superior a 150 milhões de euros na UE no último ano financeiro ou (c) volume de negócios líquido superior a 40 milhões de euros na UE no último ano financeiro, desde que pelo menos 50% desse volume de negócios provenha de atividades desenvolvidas em setor de elevado risco.

Caso seja ultrapassado esse limiar, a empresa estará abrangida pelo âmbito de aplicação da diretiva relativa ao dever de diligência, independentemente de ter uma sucursal ou uma filial na UE.

A utilização, pela Diretiva, do critério do volume de negócios gerado na União permite clarificar a ligação territorial entre as empresas de países terceiros e a União. Estão em causa os efeitos que as atividades destas empresas podem ter no mercado interno[1] permitindo-se assim encontrar um elemento de conexão com o território europeu que afirma uma ideia de extraterritorialidade impura ou de extensão territorial, que é conforme ao direito internacional público, ao contrário de um cenário de extraterritorialidade pura em que a não-existência de qualquer elemento de conexão ou de excepção ao princípio da territorialidade tornaria a medida ilegal no plano do Direito Internacional Público.

Prevê-se ainda a criação de mecanismos de cooperação entre a Comissão Europeia e países terceiros para acomodar o respeito pelos direitos humanos e pelas preocupações ambientais no relacionamento comercial com esses Estados.[2]

A diretiva estabelece um dever de due diligence empresarial que implicam, para as empresas, identificar, eliminar, prevenir, mitigar e contabilizar os impactos negativos sobre os direitos humanos e o meio ambiente resultantes das atuações da empresa, subsidiárias e cadeias de valor em que estejam envolvidas.

As regras da diretiva serão aplicáveis à "cadeia de atividades" de uma empresa, o que abrange os parceiros empresariais a montante e também, de forma limitada, a jusante, uma vez que exclui a fase de utilização dos produtos da empresa ou a prestação de serviços.

Além disso, as empresas abrangidas terão de estabelecer um plano para garantir que a estratégia de negócios seja compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5°C, conforme resulta do Acordo de Paris.

A diretiva também introduz deveres para os diretores das empresas abrangidas, entre os quais estabelecer e supervisionar a implementação dos processos de due diligence devendo ainda considerar, na atuação da empresa, a necessidade de terem em consideração os direitos humanos, as mudanças climáticas e as consequências ambientais das decisões que tomam.

A diretiva deverá ser transposta para o direito interno dos Estados-membros que, nesse momento, devem designar uma autoridade para supervisionar e impor sanções eficazes, proporcionadas e dissuasivas, incluindo multas e ordens de cumprimento (cfr. artigo 17.º da proposta).

A nível europeu, a Comissão criará uma Rede Europeia de Autoridades de Supervisão que reunirá representantes dos organismos nacionais para assegurar uma abordagem coordenada.

Por outro lado, os Estados-Membros devem assegurar que as vítimas sejam indemnizadas pelos danos resultantes do incumprimento das obrigações previstas na diretiva (cfr. artigo 22.º da proposta).

Por fim, as regras relativas aos deveres dos administradores serão aplicadas através das leis dos Estados-Membros em vigor não estando previsto, na Diretiva, um regime de execução adicional no caso de os administradores não cumprirem as suas obrigações.

Em síntese, a Diretiva pretende ajudar a UE na transição para uma economia mais ecológica e com impacto neutro no clima, tal como descrito no Pacto Ecológico Europeu e nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e salvaguardar o respeito pelos direitos humanos dentro e fora da UE.

Paralelamente, a aprovação desta Diretiva e a subsequente transposição para os Estados‑Membros irá ser apta a produzir um “efeito Bruxelas” em países terceiros porquanto será aplicável a empresas provenientes desses Estados que tenham um volume de negócios significativo em território europeu e que, por tal, devem acolher os objetivos previstos na Diretiva nos respetivos modelos de negócio.

A proposta de Diretiva continuará a ser discutida durante o ano de 2023 sendo expectável que venha a ser aprovada e entre em vigor no início de 2024.

 

[1] Cfr. parágrafo 24 dos considerandos da Diretiva.

[2] Cfr. considerando 49 da Diretiva.

* Nuno Cunha Rodrigues

Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Cátedra Jean Monnet