Observatory on European Studies - SEGURO-DESEMPREGO NA FRANÇA E NO BRASIL: A tendência crescente redução dos direitos trabalhistas
Marco Antônio César Villatore* e Enoque Ribeiro dos Santos**
Na França como no Brasil, há uma tendência generalizada de o Estado e de os empresários, sempre que há uma oportunidade para pagar a conta da competição no mercado interno e internacional, “passar sempre a fatura para o lado mais fraco da relação de trabalho”, ou seja, o trabalhador.
A França acaba de aprovar uma redução de 25% na duração do pagamento do seguro-desemprego (assurance chômage) para qualquer novo postulante a este título, a partir de 1º. de fevereiro de 2023, com exceção dos trabalhadores idosos, tendo como base uma modulação de uma taxa central de desemprego, que foi fixada inicialmente em 9%, e a partir daí observar sua evolução, ou seja, caso ocorra um aumento de 0,8 pontos daquela taxa em um trimestre, entender-se-á que o mercado de trabalho está degradado, e abrir-se-á o benefício de um "complemento para fins de direitos do trabalhador”, mantendo um período mínimo do pagamento do benefício de seis meses, bem como a quantidade de subsídios, que geralmente se situa em 70% da renda mensal do trabalhador.
De acordo com Olivier Andre´[1] essa taxa de desemprego de 9% constitui o “pivot”, ou primeiro parâmetro para determinar o endurecimento ou flexibilização do procedimento do pagamento do seguro-desemprego. Desde que a taxa de desemprego seja inferior a 9%, as condições serão mais severas. Atualmente a taxa de desemprego na França está em 7,3%. A evolução da taxa de desemprego sobre um trimestre servirá de segundo parâmetro de ajustamento das regras. Uma alta superior a 0,8% passará o mercado de trabalho para o vermelho. Para se retornar ao verde, duas condições cumulativas serão requeridas: a taxa de desemprego deverá permanecer inferior a 9% sobre um trimestre e sua alta trimestral deverá ser inferior a 0,8% durante os nove meses seguintes.
Com efeito, após ter fixado uma meta de pleno emprego (taxa de desemprego de 5% até 2025), o que o Estado francês propõe é um sistema contracíclico, ou seja, quando a conjuntura econômica for favorável, as regras de indenização do seguro-desemprego serão endurecidas, para favorecer a volta do trabalhador ao trabalho. Quando a situação econômica piorar, o dispositivo será flexibilizado para aumentar os direitos do desempregado. Se o trabalhador recusar a oferta de dois empregos, com base no CDI (contrato a prazo indeterminado) no prazo de um ano, ele também perde totalmente o benefício do seguro-desemprego.
Para obter o benefício do seguro-desemprego na França é necessário ter trabalhado no curso dos 24 meses anteriores (ou 36 meses para os trabalhadores de 53 anos ou mais). A duração mínima do benefício do seguro-desemprego continua sendo de 6 meses.
Concretamente, enquanto atualmente o ratio de um dia de cotização por um dia de indenização se aplica no limite de 24 meses (30 meses entre 53 e 54 anos e 36 meses após 55 anos do trabalhador), um coeficiente de conversão de 0,75 entrou em vigor em 1º de fevereiro de 2023, esteja a conjuntura econômica degradada ou não. Desse modo, para os novos inscritos no Pôle Emploi (departamento francês que cuida da alocação do seguro-desemprego), a duração máxima deste instituto não poderá ser superior a 18 meses, ou 22,5 meses entre 53 e 54 anos e até 27 meses para trabalhadores com mais de 55 anos.
O Estado propôs esta redução de ¼ os direitos do trabalhador nesta sigla, levando em conta a conjuntura econômica do país, o que certamente agradou em muito a classe patronal, e desagradou todo o conjunto de sindicatos dos trabalhadores, cuja representatividade na França é obtida por meio de eleição dos trabalhadores.
No Brasil as últimas novidades do seguro-desemprego foram trazidas pela Lei 10.261, de 16 de dezembro de 2021, mas apenas na questão de fiscalização e de penalidades. As modificações mais significativas foram incluídas pela Lei 13.134, de 16 de junho de 2015, que modificou a Lei especial 7.998/1990, também em seu artigo 3º., estabelecendo que
“terá direito à percepção do seguro-desemprego o trabalhador dispensado sem justa causa que comprove: I - ter recebido salários de pessoa jurídica ou de pessoa física a ela equiparada, relativos a: a) pelo menos 12 (doze) meses nos últimos 18 (dezoito) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da primeira solicitação; b) pelo menos 9 (nove) meses nos últimos 12 (doze) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando da segunda solicitação; e c) cada um dos 6 (seis) meses imediatamente anteriores à data de dispensa, quando das demais solicitações;”.
Já no caput do artigo seguinte, estabelece-se “período máximo variável de 3 (três) a 5 (cinco) meses, de forma contínua ou alternada, a cada período aquisitivo, contados da data de dispensa que deu origem à última habilitação, cuja duração será definida pelo Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT)”.
Já houve período em que tal limite máximo foi aumentado, como crise econômica em determinado setor produtivo, etc. A tendência, porém, é que as regras de cada País venham a ser endurecidas, como está ocorrendo com a França neste momento. Esperamos que essa situação não ocorra no Brasil, verdadeiramente, ou que só aconteça em muitos e muitos anos à frente.
[1] ANDRÉ, Olivier. Vers um changement de paradigme pour l`assurance-chômage. In : Gazette Spécialisée. Doctrine. p. 2.
* Marco Antônio César Villatore
(Professor Associado da Universidade Federal de Santa Catarina, na Graduação e na Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Direito; Advogado).
** Enoque Ribeiro dos Santos
(Professor Associado da Universidade de São Paulo, na Graduação e na Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado em Direito; Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª. Região - RJ, Professor Convidado da Universidade Autônoma de Lisboa – Portugal e Professor convidado da Universidade Aix-Marseille – França. (O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001).