Observatory on European Studies - REFLEXÕES SOBRE A INTEGRAÇÃO AMERICANA

2023-01-02

63b2ebb7d20camceclip1.jpg

Por Aline Beltrame de Moura*

A integração regional no continente americano é representada por diversas instâncias que coexistem e que possuem alcances geográficos e culturais diferentes, traduzindo-se em vários tipos de processos de cooperação que vão desde meros foros de coordenação política até mercados comuns, passando por zonas de livre comércio e uniões aduaneiras. Embora existam organizações dotadas de alguns princípios supranacionais, tais como a Comunidade Andina de Nações e o Sistema de Integração Centro-americano e o Mercado Comum Centro-americano, o método intergovernamental é o que predomina nas relações entre os Estados na região. (BALIÑO, Juan Pablo Pampillo. Órganos y esquemas de la integración americana. TerCI, v. 05, n. 0.1 , jan/jun 2015).

Curioso notar que em termos de integração regional muito se fala do processo integracionista europeu e do seu notório método supranacional, mas poucos se atentam ao fato de que ideias de integração supranacional, surgiram inicialmente no continente americano, em meados do século XIX. O desejo de uma ampla união americana, no contexto imediatamente pós-independência norte-americana, alcançou maior vigor e dimensão com o venezuelano Simón Bolívar. Com o propósito de efetivar seu audacioso plano, denominado “América Meridional”, convocou em 1826 o Congresso do Panamá, cuja proposta, não exitosa, era a integração confederada da América espanhola.

Em 1850, os ideais unificadores reaparecem pelas mãos do argentino Domingo Faustino Sarmiento que propõe uma integração, com vertente supranacional, dos países da região do Prata por meio da criação dos “Estados Unidos da América do Sul” (CARVALHO, Eugênio Rezende de. Dilemas históricos da integração latino-americana. Princípios. Edição n. 76. São Paulo: Ed. Anita Garibaldi, 2004). No Congresso de Santiago, realizado em 1856, apresentou-se novamente a “proposta de modelo de integração supranacional para a América Latina, imediatamente refutada, tornando-se – a supranacionalidade – voz isolada ao longo da evolução do regionalismo da América Latina [...]” (OLIVEIRA, Odete Maria de. Velhos e novos regionalismos: uma explosão de acordos regionais e bilaterais no mundo. Ijuí: Ed. Unijuí, 2009). Em 1865, durante o II Congresso de Lima, ocorre o abandono das ideias supranacionais e do próprio projeto bolivariano em prol do estabelecimento de tratativas baseadas exclusivamente no método intergovernamental.

Apesar deste intenso movimento integracionista na região, a política externa da monarquia brasileira permaneceu alheia e firmemente contrária a qualquer aproximação com as jovens repúblicas latino-americanas. Os Estados Unidos, por sua vez, apesar da Doutrina Monroe que, em 1823, anunciava uma “América para os americanos”, mantinha seus desígnios de aproximação apenas com seus vizinhos da América do Norte. Porém, na última década do século XIX, impulsionados por objetivos comerciais no continente e desejos de manter afastada eventual influência europeia na região, os Estados Unidos sediam a I Conferência Internacional Americana em Washington. Na época, muitos governos latino-americanos criticaram tal comportamento por acreditarem que os Estados Unidos estavam se utilizando da Conferência apenas para se afirmarem como o poder hegemônico no continente (SEXTON, Jay. The Monroe Doctrine: empire and nation in nineteenth-century America. New York: Hill and Wang, 1978).

Em que pese as inúmeras tentativas de integração americana ocorridas no século XIX e início do século XX, foi somente a partir da década de 1950 que o continente viu inaugurar um período de efetiva prosperidade em termos de cooperação regional através de organizações internacionais destinadas a estabelecer vínculos de solidariedade e colaboração entre os países nas mais diversas áreas. Surgem, então, a Organização dos Estados Americanos (1948), a Comunidade e Mercado Comum do Caribe (1958), a Comunidade Andina (1969), o Sistema Econômico Latino-americano e do Caribe (1975), a Associação Latinoamericana de Integração (1980), a Aliança para a Cooperação Econômica no Pacífico (1989), o Mercado Comum do Sul (1991), o Sistema de Integração Centro-americano e o Mercado Comum Centro-americano (1991), a Associação dos Estados do Caribe (1994), o Tratado de Livre Comércio da América do Norte (1994), o Acordo Estratégico Transpacífico de Cooperação Econômica (2002), a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (2004), a União das Nações Sulamericanas (2008), a Comunidade de Estados Latino-americanos e Carinhenos (2010) e a Aliança do Pacífico (2011).

Um grande mosaico representa o estado atual da integração americana, composto por uma complexidade de organizações dos mais diferentes matizes (latino-americanos, norte-americanos, centro-americanos, andinos, caribenhos, ibero-americanos, etc...) que muitas vezes se sobrepõem em suas competências e criam situações de duplicidade e de insegurança jurídica. Uma articulação eficaz entre os principais foros e organismos coexistentes hoje no continente americano poderia amenizar os inevitáveis efeitos da pluralidade de fontes jurídicas e da multiplicidade de instituições atuantes em um mesmo contexto geopolítico.  

No mais, o continente americano goza de uma quantidade ímpar de possibilidades de crescimento econômico, político, social e cultural, dada a sua diversidade e as riquezas presentes na região. Todo este potencial está estritamente ligado ao desenvolvimento harmônico dos processos de integração, o qual poderia se traduzir na melhora da qualidade de vida da população e no fortalecimento dos ordenamentos jurídicos e das instâncias regionais. O modelo europeu, preservadas suas particularidades e singularidade, pode servir como referencial à construção de projetos integracionistas de âmbito continental, auxiliando na identificação de interesses comuns que facilitam o desenvolvimento do espírito de cooperação e na implementação de medidas e ações destinadas a reforçar o papel das instituições regionais como agentes catalizadores do progresso não apenas econômico, mas também social e humano da população.

 

* Aline Beltrame de Moura

Professora da Universidade Federal de Santa Catarina

Coordenadora do Jean Monnet Network BRIDGE Project