Observatory on European Studies - A Federação Russa perde o status de Estado-parte da Convenção europeia dos Direitos do Homem

2022-11-14

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Naiara Posenato*

No último dia 16 de setembro a Federação Russa deixa de ser parte da Convenção Europeia dos Direitos do Homem – quais serão as consequências sobre os processos pendentes e as novas denúncias de violação.

Após ter tido suspendidos os próprios direitos de representação diante dos principais órgãos do Conselho da Europa (CdE) em 25 de fevereiro de 2022, com base na Resolução CM/Del/Dec (2022) 1426 bis/2.3, a Federação Russa comunicou formalmente sua retirada da Organização e sua renúncia à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) em 15 de março. No dia seguinte, o Comitê de Ministros adotou a Resolução CM/(2022)2 segundo a qual, em conformidade com os arts. 3 e 8 do Estatuto, a Rússia foi imediatamente excluída do Conselho da Europa. No mesmo dia, o Presidente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem suspendeu o exame de todos os pedidos contra a Federação Russa até ordem contrária.

Alguns dias depois, em 22 de março, o Tribunal de Estrasburgo, reunido em Sessão Plenária, declarou que a Rússia também deixava de ser parte da CEDH e, com base no art. 58 do instrumento, que tal condição tornar-se-ia eficaz a partir do dia 16 de setembro de 2022. A contar da mesma data, segundo os arts. 20 e 22 da CEDH, também cessa de existir o ofício de juiz da Corte eleito a título da Federação Russa.

Do ponto de vista do funcionamento do sistema regional europeu de proteção dos direitos humanos, a chave para a compreensão deste contexto é a ligação indissolúvel entre o status de país-membro do Conselho da Europa e a participação na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Em origem, um Estado poderia ser membro da CdE sem assinar e ratificar a CEDH e, portanto, sem ser Parte Contratante do instrumento, como ainda hoje funciona o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Com a aprovação do Protocolo n. 11 e a abertura da Organização, nos anos noventa do século passado, aos países que deixavam de fazer parte da União Soviética, passou-se a pretender que cada novo Estado que quisesse ser admitido no Conselho se comprometesse a ratificar a Convenção Europeia o mais rápido possível e, portanto, vinculou-se intrinsecamente o status de membro do Conselho da Europa à ratificação da CEDH. Atualmente, a perda a condição de membro do Conselho da Europa conduz automaticamente à exclusão da Convenção Europeia, como estabelece o art. 58, n. 3, da CEDH.

A Rússia é parte do CdE desde 1996; após um primeiro período de relativa calma, os seus anseios expansionistas com relação a Estados limítrofes começaram a causar problemas políticos com a Organização. Em 2000, a Rússia foi suspensa dos trabalhos da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa devido ao conflito na Chechénia, e em 2014 e 2015, após a ocupação da Crimeia. A situação manteve-se até 2018, tendo decidido o Estado não apresentar nenhuma delegação ao órgão internacional, e finalmente foi resolvida com a readmissão dos representantes russos à Assembleia Parlamentar do CdE em 2020.

No que concerne a Corte de Estrasburgo, a Rússia é o segundo país com o maior número de recursos individuais pendentes, após a Turquia: em 16 de setembro 17450 casos tramitam contra o Estado, o equivalente a 23,1% de todo o acervo. O histórico de execução de sentenças do país é bastante modesto: segundo a NGO European implementation network, com base nas estatísticas do CdE, cerca de 90 % dos acórdãos definitivos ainda se encontram com a execução pendente.

No que concerne as relações entre os Estados atualmente envolvidos nas hostilidades bélicas entre a Ucrânia e a Russia, existem cinco casos interestatais (art. 33 CEDH) pendentes: Ucrânia v. Rússia (n.s 20958/14, 38334/18, 55855/18, 10691/21, 11055/22 e um caso pendente Ucrânia e Holanda v. Rússia (n.s 8019/16, 43800/14 e 28525/20). Há também um caso Rússia v. Ucrânia (n. 36958/21). O Caso n. 11055/22 diz respeito às alegações do governo ucraniano de violações em massa e graves violações de direitos humanos cometidas pela Federação Russa em suas operações militares no território de Ucrânia desde 24 de fevereiro de 2022 e foi recebido em 23 de junho de 2022. Vinte e três governos e uma organização não governamental, a Academia de Genebra de Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos, solicitaram autorização para intervir como terceiros: Áustria, Bélgica, Croácia, República Checa, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Noruega, Polónia, Portugal, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha e Suécia.

Mesmo deixando de ser parte da CEDH, a Federação Russa não é automaticamente desvinculada de todas as obrigações que derivam da Convenção europeia: permanece obrigada por todos os fatos verificados até à denúncia do Tratado (ou a perda da condição de parte em sentido lato), e por aqueles ocorridos nos seis meses seguintes, como previsto pelo art. 58, n. 2 da CEDH. Em outros termos, o Tribunal europeu continua a ser competente para o julgamento dos casos pendentes, e para apreciar pedidos dirigidos contra a Federação Russa em relação a atos ou omissões que supostamente constituem uma violação da Convenção ocorridos até 16 de setembro de 2022. Todavia, é certo que juiz eleito a título da Federação Russa já não comporá o colegiado, como é altamente provável que os demais juízes ad hoc indicados em seu nome não estarão mais disponíveis. Tudo leva a crer que o Estado também será revel nos processos. Todas estas circunstâncias não depõem em modo positivo para a instrução das controvérsias e para a legitimação das suas decisões.

A Rússia também permanece tendo a obrigação de dar execução às decisões do Tribunal emitidas contra si, e o Comitê de Ministros pode continuar a supervisionar essa execução. Para tornar efetiva esta última obrigação, a Federação Russa deveria continuar a participar nas reuniões do Comitê de Ministros do CdE, quando este Órgão atua em sua veste de supervisor da execução de sentenças da CEDH, com vista a fornecer e receber informações sobre as sentenças em que seja o Estado requerido ou requerente. Todavia, o Comitê de Ministros recentemente esclareceu que as autoridades russas interromperam todas as comunicações com o Conselho da Europa no que diz respeito à implementação dos acórdãos do Tribunal Europeu.

 

Para saber mais:

The Russian invasion of Ukraine exposes deep wounds of the eu’s dependency on Russian gas:

interview with Ielyzaveta Badanova Ielyzaveta Badanova, Team Lead for Energy Market Development at Naftogaz of Ukraine, in Latin American Journal of European Studies, Vol. 2 No. 1 (2022)

Observatory on European Studies - Desglobalização na pauta do Fórum Econômico Mundial e a guerra na Ucrânia, Joana Stelzer, Thyago de Pieri Bertoldi e Michelle de Medeiros Fidélis, Universidade Federal de Santa Catarina

Observatory on European Studies - Da guerra internacional (de Rússia e Ucrânia) à guerra transnacional (de todos nós), Joana Stelzer, Marjorie Tolotti Silva de Mello e Thyago de Pieri Bertoldi, Universidade Federal de Santa Catarina

Observatory on European Studies - Parlamento decide sobre Ucrania ¿Qué implica esta resolución?, Valentina Garzón Tello y Walter Arévalo-Ramírez, Universidad del Rosario     

Observatory on European Studies - A possível adesão da Ucrânia à União Europeia,

Nuno Cunha Rodrigues, Universidade de Lisboa

Observatory on European Studies - A Atuação da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR na defesa dos Direitos Humanos relativos aos Ucranianos vindos ao Brasil em face da Guerra, Steeve Beloni Correa Dielle Dias, Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR e Marco Antônio César Villatore, Universidade Federal de Santa Catarina

Observatory on European Studies - La protección de los niños ucranianos en tiempos de guerra: nota de la Conferencia de La Haya de Derecho Internacional Privado, Beatriz Campuzano Díaz, Universidad de Sevilla

Observatory on European Studies - La crisis en Ucrania y los riesgos institucionales en Europa,

Filipe Prado Macedo da Silva, Universidad Federal de Uberlandia

 

*Naiara Posenato

Professora de Direito Comparado na Università degli Studi di Milano, Itália.