Observatory on European Studies - A “due diligence” como instrumento de mitigação dos riscos da comercialização de madeira extraída ilegalmente em países terceiros no mercado europeu

2022-09-19

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Aline Beltrame de Moura*

Natália de Souza Ferreira**

A proteção ambiental na União Europeia (UE) tem-se mostrado nos últimos anos um fator de grande importância e de distinta atenção, considerando, principalmente, os ambiciosos objetivos traçados pela sua atual política ambiental baseada no Pacto Ecológico Europeu (COM(2019) 640 final). Este Pacto redefine o compromisso da UE de enfrentar os desafios climáticos e ambientais, cujo escopo é alcançar a neutralidade climática até 2050, isto é, uma economia com zero emissões líquidas de gases de efeito estufa, onde o crescimento econômico esteja dissociado da utilização dos recursos. 

Nesse sentido, medidas que sejam destinadas a combater a desflorestação e a degradação florestal contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa e aumentam a resiliência às alterações climáticas, contribuindo para o estabelecimento de uma política ambiental coesa e eficaz.

Objetivando concretizar os citados ideais, procurou-se instituir um regime firme e uniforme de prevenção aos danos ambientais, como através da adoção da Diretiva (CE) n. 2004/35, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais e de outros importantes instrumentos de prevenção e responsabilização ambiental, como o Regulamento (UE) n. 995/2010 que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos da madeira.

O Regulamento da União Europeia n. 995/2010, também conhecido como Regulamento Europeu da Madeira, entrou em vigor em 3 de março de 2013 e, conforme destacado por Halalisan Aureliou-Florin (2014), possui três pontos focais: o corte ilegal, o operador e a inclusão da madeira no marcado. Assim, o regulamento visa estabelecer as obrigações dos operadores que inserem madeira e seus produtos no mercado interno europeu e, também, dos comerciantes, de modo a combater a entrada e a comercialização de madeira extraída ilegalmente na Europa.

O instrumento possui vinte e um artigos e reúne disposições sobre as várias faces da madeira, desde suas definições, as obrigações dos operadores e de rastreabilidade, dentre outras previsões referentes à operabilidade do controle da madeira que é colocada no mercado europeu, inclusive com a cominação de sanções.

Com objetivo precípuo de combater o comércio de madeira extraída ilegalmente, o Regulamento (UE) n. 995/2010 introduz três importantes instrumentos: (i) a proibição da colocação no mercado europeu de madeira extraída ilegalmente e seus derivados; (ii) a obrigação dos operadores responsáveis pela comercialização da madeira dentro do mercado europeu efetuar a análise de risco (due diligence); (iii) após a madeira estar em comercialização dentro da União Europeia, a realização da manutenção e da rastreabilidade da madeira pelos operadores econômicos.

No tocante à diligência devida (due diligence), os operadores deverão exercê-la através de um sistema de medidas e procedimentos destinados a minimizar o risco de colocar madeira ilegalmente extraída e produtos da madeira dela derivados no mercado interno europeu. Esse sistema de diligência deve ser mantido e avaliado periodicamente pelos operadores, salvo se utilizarem um sistema estabelecido por uma organização de vigilância.

 O Regulamento estabelece que o sistema de diligência devida deve incluir três elementos que são inerentes a gestão do risco:

a) Acesso à informação

O artigo 6º, 1, “a” determina que devem ser adotadas medidas e procedimentos que proporcionem acesso às informações sobre o fornecimento da madeira ou de produtos da madeira colocados no mercado interno pela primeira vez, incluindo informações específicas como a designação comercial e o tipo do produto, o nome comum da espécie comercializada., o país e a região nacional de proveniência da madeira, a quantidade extraída, o nome e endereço  fornecedor e do comerciante e, principalmente, documentos e informações que indiquem que a madeira e seus produtos estão em conformidade com a legislação aplicável.

b) Avaliação do risco

Com base nessas informações e também em outros critérios previstos no artigo 6º, 1, “b”, os operadores devem analisar e avaliar o risco de colocação no mercado de madeira extraída ilegalmente.

O procedimento de análise deve levar em conta a garantia de cumprimento da legislação aplicável por meio, por exemplo, de certificação ou verificação por terceiros, a prevalência de extração madeireira ilegal de espécies de árvores específicas e também no país em questão, a existência de eventuais sanções das Nações Unidas ou da União Europeia à importação e exportação de madeira, bem como considerar a complexidade da cadeia de abastecimento de madeira.

c) Atenuação do risco identificado

Após o cumprimento das duas primeiras etapas, se o operador verificar a existência de um risco, este tem a obrigação de atenuá-lo de modo proporcional à relevância do risco identificado, a fim de evitar a colocação no mercado interno de madeira ilegalmente extraída.

Portanto, o terceiro elemento da due diligente é a mitigação de risco. O artigo 6º, 1, “c” dispõe expressamente sobre a necessidade de atenuação do risco da presença de material ilegal na cadeia de abastecimento. As medidas a serem adotadas nesse sentido podem ser a exigência de informações, de documentos suplementares, de certificações ou da verificação por terceiros.

Desse modo, conforme analisado, o Regulamento da União Europeia n. 995/2010, tenta prever formas de evitar e reduzir a entrada de madeira e seus derivados que tenha sido extraída de maneira ilegal em Estados estrangeiros.

A importância da due diligence é visível, sobretudo considerando que as medidas voluntárias, por si só, são insuficientes para enfrentar o desmatamento (SAUDERS, 2020), de forma que a imposição de penalidades por descumprimento revela-se como um elemento essencial para mudar esse cenário, e, também, servirá como auxílio do processo da devida diligência (ARGENTA, 2021).

Assim, considerando os pilares da due diligence – informação, avaliação e mitigação de risco –, verifica-se que sua operalização é um mecanismo que possibilita a atenuação da possibilidade de comercialização de madeira extraída de modo ilegal no âmbito da União Europeia, trazendo uma maior confiabilidade da procedência da commodity e do cumprimento dos padrões de mínimos devidos, funcionando como um catalisador normativo para Países terceiros que comercializam com membros da União Europeia (SARAIVA, 2019).

Importante ressaltar que o Regulamento (UE) n. 995/2010 está em vias de ser revogado, pois está em tramitação a Proposta de Regulamento relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação para fora da União de determinados produtos de base e produtos derivados associados à desflorestação e à degradação florestal (COM (2021) 706 final). Como pontuado por Gabriela Carella (2022), a implementação do novo projeto visa refinar as obrigações substanciais da due diligence, como também o aperfeiçoamento das obrigações de comunicações relacionadas.

Ademais, o projeto tem um âmbito de aplicação mais abrangente, pois estabelece regras relativas à colocação e disponibilização no mercado da EU e à exportação para fora do mercado da União de gado bovino, cacau, café, óleo de palma, soja e madeira e dos produtos derivados a fim de minimizar a desflorestação, reduzir as emissões de gases com efeito estufa e a perda de biodiversidade.

Pelo projeto de regulamento, o procedimento de diligência devida atualmente em vigor será adaptado e melhorado, através da introdução de novas características, como a declaração de diligência devida, o requisito de informação geográfica ou geolocalização para associar os produtos de base e os produtos derivados à parcela de terreno onde foram produzidos, o reforço da cooperação com os serviços aduaneiros, os níveis mínimos de inspeção e a avaliação comparativa dos países.

De acordo com o artigo 8º da proposta, o procedimento de diligência devida constitui uma obrigação dos operadores e dos comerciantes, que não sejam micro, pequenas e médias empresas, que queiram importar ou exportar para fora do mercado da UE. As etapas são similares à normativa em vigor, porém, a última fase inclui uma inovação, ao prever que sempre se deve reduzir eventuais riscos para um nível negligenciável (artigo 10, n. 5), caso contrário, o operador tem que tomar todas as medidas de atenuação do risco para reduzi-lo a um nível negligenciável.

Na hipótese de não se ter acesso à legislação aplicável do país de extração da madeira ou outras informações pertinentes, o risco não pode ser plenamente avaliado e, portanto, não pode ser considerado negligenciável. Neste caso, o operador não pode colocar os produtos de base ou produtos derivados em causa no mercado da UE (artigo 10, n.1).

A imposição desse mecanismo de rastreabilidade mais rigorosa, conforme destacado por Giulio Leopardi Dittajutti (2022), ocorre justamente para assegurar que somente produtos sem desflorestamento possam acessar ao mercado europeu e, também, para que as autoridades responsáveis pela aplicação da lei, nos Estados-membros, possuam condições e meios adequados para exercer o controle de entrada de tais produtos.

Uma outra novidade é a inclusão da chamada “diligência devida simplificada” do artigo 12 que se aplica aos produtos provenientes de um país que tenha sido classificado como sendo de baixo risco segundo a avaliação comparativa de países. Embora possa tratar se de países de baixo risco e não seja necessário demonstrar que o risco de incumprimento é negligenciável, os operadores continuam sujeitos às obrigações referentes à primeira etapa da due diligence, isto é, o recolhimento de informações.

 

Pesquisa realizada como um dos resultados da disciplina de Direito Ambiental Internacional e Europeu oferecida no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil. 

 

REFERÊNCIAS:

ARGENTA, Andresa Brambatti. Comércio Ilegal de Madeira: uma análise da regulamentação criada pela união europeia para as importações. 2021. 88 f. TCC (Graduação) - Curso de Comércio Internacional, Conhecimento das Ciências Sociais, Universidade de Caxias do Sul, Bento Gonçalves, 2021. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/bitstream/handle/11338/8604/TCC%20Andresa%20Brambatti%20Argenta.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 02 set. 2022.

CARRELA, Gabriela. La responsabilità civile dell’impresa transnazionale per violazioni e di ditirri umani: il contributo dela proposta di diretiva sulla due diligence societaria a fini di sostenibilità. Freedom, Security & Justice: European Legal Studies. n. 2, 2022, p. 10-46.

DITTAJUTI, Giulio Leopardi. Illegal Logging: Un’ analisi de uma prospettiva socioeconômica e normativa. 2022. 72 f. TCC (Graduação) – Curso de Ciência Florestal e Ambiental, Departamento de Ciência Agraria alimentar e ambiental, Università Politecnica delle Marche, Ancona, 2022. Disponível em: https://tesi.univpm.it/bitstream/20.500.12075/9943/1/TESI%20Giulio%20Leopardi%20Dittajuti.pdf. Acesso em: 04 set. 2022.

HALALISAN, Aureliu-Florin. Regulamentul 995/2010 și certificarea FSC. Revista de Silvicultură și Cinegetică, n. 34, 2014.

SARAIVA. Rute. Extraterritorialidade, ambiente e pesca inn no direito da União Europeia. Revista ESMAT – Escola Superior da Magistratura Tocantinense. V. 11, nº 18. 2019.

SAUNDERS, Jade. Ten steps towards enforceable due diligence regulations that protect forests. Forest Trends. 2020.

UNIÃO EUROPEIA. Ambiente - Rumo a uma Europa mais verde e mais sustentável. 2022. Disponível em: https://europa.eu/european-union/topics/environment_pt. Acesso em: 8 ago 2022.

UNIÃO EUROPEIA. Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho Europeu, ao Conselho, ao Comitê Econômico e Social Europeu e ao Comitê das Regiões Pacto Ecológico Europeu (COM (2019) 640 final). Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A52019DC0640&qid=1662344011734. Acesso em 03 set. 2022.

UNIÃO EUROPEIA. Diretiva (CE) n. 2004/35, do Parlamento Europeu e Conselho, de 21 de abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais. OJ L143 de 30/04/2004. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX%3A32004L0035&qid=1662343453764. Acesso em: 03 set. 2022.

UNIÃO EUROPEIA. Regulamento (UE) n. 995/2010, de 20 de outubro de 2010, do Parlamento Europeu e do Conselho, que fixa as obrigações dos operadores que colocam no mercado madeira e produtos de madeira. Estrasburgo, 2010. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32010R0995&from=PT. Acesso em: 11 ago 2022.

UNIÃO EUROPEIA. Proposta de Regulamento relativo à disponibilização no mercado da União e à exportação para fora da União de determinados produtos de base e produtos derivados associados à desflorestação e à degradação florestal (COM (2021) 706 final). Disponível em: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-14151-2021-INIT/pt/pdf. Acesso em: 03 set. 2022.

 

* Aline Beltrame de Moura

Coordenadora do Jean Monnet Network BRIDGE Project. Professora da Universidade Federal de Santa Catarina.

** Natália de Souza Ferreira

Membro do Grupo de Pesquisa em Direito Internacional Ius Gentium – UFSC/CNPq. Bacharela e Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.