Observatory on European Studies -Observatory on European Studies - Due Diligence da União Europeia também para as empresas brasileiras
*Joana Stelzer
**MaurÃcio Dal Pozzo Schneider
***Michelle de Medeiros Fidélis
As trocas comerciais, em cenário de interdependência, alcançam tanto o âmbito internacional quanto o nacional, pois as práticas influenciam-se mutuamente, determinando, inclusive, os rumos das respectivas polÃticas econômicas. Em cenário recente, emergiu um conflito entre Projetos em tramitação no Brasil e na Comissão Europeia, em matéria ambiental. De um lado, existem os Projetos de Lei (PLs) brasileiras em discussão: alteração na demarcação de áreas indÃgenas (PL 490); flexibilização na aprovação de agrotóxicos (PL 6.299); flexibilização nas regras de licenciamento ambiental (PL 2.159); concessão de anistia à grilagem de terras públicas (PL 2.633 e 510); e, liberação de mineração em terras indÃgenas (PL 191) (essa, aliás, com caráter de urgência em decorrência da guerra na Ucrânia). No Velho Continente, entre outros, verifica-se o Projeto de Lei europeia que propõe regras para findar com a destruição de bens de consumo não vendidos, e o Projeto para que os Estados-Membros adotem medidas fiscais favoráveis para impulsionar o modelo de negócio ecológico (e de que todos os produtos sejam energeticamente eficientes).Â
Além disso, em contraste com os atuais projetos em discussão pelo Congresso Nacional brasileiro, no dia 30/03/2022, foi apresentado um pacote de propostas relacionadas ao Pacto Ecológico Europeu junto à Comissão Europeia para impulsionar modelos de negócios conforme o Plano de Ação para a Economia Circular – dissociado das dependências energéticas e de recursos, mais resiliente a choques externos e que respeite a natureza e a saúde das pessoas.
No âmbito da proposta, isso significa tornar quase todos bens materiais environmentally friendly, circulares e energicamente eficientes, desde a fase de concepção do produto até o seu descarte. O objetivo da Comissão Europeia é tornar uma regra, no mercado europeu, o fato dos produtos serem sustentáveis e, ainda, capacitar consumidores para a transição ecológica com a divulgação de maiores informações sobre o impacto dos produtos que compram e com a proteção de práticas que evitem o greenwashing. Evidencia-se um esforço  da União Europeia quanto ao alinhamento com o  desenvolvimento sustentável, no intuito de reduzir a vulnerabilidade recÃproca que se processa entre Ser Humano e Natureza, inclusive no âmbito das cadeias de suprimentos globais. Sob tal proposta, mencionem-se os esforços da Comissão Europeia para discutir o banimento da importação de produtos oriundos do desmatamento.
Sob tais perspectivas, verifica-se que, além da destruição da biodiversidade e do impacto das mudanças climáticas, os Projetos de Lei brasileiras, se aprovadas, trazem um autêntico impeditivo no acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, dificultando severamente as exportações brasileiras para o bloco europeu.
Frise-se, ademais, que a legislação em desacordo com a conservação ambiental acarreta retrocesso social e legislativo, já que reflete antÃtese de desenvolvimento econômico e de desenvolvimento social, vale dizer, contraria o princÃpio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), os objetivos fundamentais de construir uma sociedade justa e solidária (art. 3º, I, da CF/88), a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II, da CF/88) e a redução das desigualdades sociais (art. 3º, III, da CF/88), além de confrontar com o princÃpio das relações internacionais de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade (art. 4º, IX, da CF/88).
Ainda, cumpre recordar o Pacto Global das Nações Unidas, acerca das diretrizes para a promoção do crescimento sustentável e da cidadania, por meio de lideranças comprometidas e inovadoras. Dentro dos princÃpios norteadores, derivados da Declaração Universal de Direitos Humanos e da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no presente texto, destacam-se os princÃpios 1, 2, 7, 8 e 9 que, sob leitura hermenêutica-normativa, impinge à s iniciativas normativas promover responsabilidade ambiental e agir com abordagens preventivas ambientais, justamente para assegurar a não violação aos Direitos Humanos. Dos princÃpios surgiram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que, em sÃntese, tem o compromisso universal de acabar com a pobreza, reduzir as desigualdades internas e externas, almejando tornar o planeta mais seguro e sustentável, entre outros importantes propósitos.
É oportuno salientar sobre a existência de pressão por parte do setor privado perante o Poder Legislativo, para redução ou mesmo flexibilização de direitos e garantias ambientais com o argumento de existência de crises financeiras e de facilitação do desenvolvimento da economia, não apenas dentro do paÃs, mas também entre paÃses. A questão econômica tem acompanhado e influenciado as demandas ambientais, deixando marcas visÃveis, mas, ainda permanece sua função objetiva de instrumento de mediação e institucionalização, ou seja, entre o papel consubstancial para o sistema de produção capitalista e ao seu conflito social de base.Â
Não obstante, na Europa, já se percebe um movimento de consumo ético e consciente, ou seja, a escolha de produtos que respeitam e estimulam os recursos naturais e os respeitos humanos. A ideia é promover através de ‘votos de compra’ a melhor qualidade de vida individual e social. Nesse fenômeno, pode-se dizer que os consumidores impulsionam a relação negocial à medida que transformam o ato de consumo em ato polÃtico. Mas, não somente dos consumidores virá a cobrança das empresas para implantar atitudes efetivas de desenvolvimento sustentável. Em 23 de fevereiro de 2022 a Comissão Europeia apresentou uma Proposta de Diretiva relativa a processos de Due Diligence Corporativo Sustentável, vale dizer, sobre obrigações de sustentabilidade corporativa. A proposta da Diretiva promove uma reengenharia quando o assunto é promover Direitos Humanos e Meio Ambiente, evidenciando uma nova direção para os negócios e as finanças corporativas, em harmonia com os objetivos do Acordo de Paris. Alcançam-se, com isso, as cadeias de valor globais, a partir do momento que as empresas serão obrigadas a identificar, prevenir, mitigar e remediar os impactos adversos das atividades de empresas parceiras. Isso significa que as empresas europeias podem ser responsabilizadas civilmente por danos relacionados aos impactos causados por elas mesmas, como também por suas subsidiárias e por parceiros comerciais relevantes.
A Proposta de Diretiva seguirá seu trâmite de votação e aprovação pelo Conselho da União Europeia e pelo Parlamento Europeu. Após tais aprovações, os Estados-membros terão dois anos para a devida implementação. Estima-se que as empresas, por sua vez, tenham semelhante prazo para implantar a due diligence internamente.
Em resumo, enfatiza-se que a flexibilização das normas ambientais brasileiras, além de representar um desserviço à sustentabilidade mundial, degradando o desenvolvimento humanitário da ordem econômica que está interligado intimamente com a noção de estabilidade social, não vai colaborar com a inserção corporativa das empresas pátrias. O efeito da extraterritorialidade da norma europeia vem em passos largos. Bradar com legislação nacional em desacordo com a sustentabilidade revelará grave retrocesso. Os procedimentos de diligência representam não somente mudança radical na pretensão punitiva do direito internacional, quanto fulminam tentativas tupiniquins de furtar-se à sobrevivência da coletividade junto à natureza-mãe.
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Joana Stelzer*
Doutora em Direito na UFSC. Professora Associada II e credenciada na Pós-Graduação em Direito para Mestrado e Doutorado na UFSC.
MaurÃcio Dal Pozzo Schneider**
Advogado. Mestrando em Direito Internacional, Econômico e Comércio Sustentável na UFSC. Pós-graduado em Direito Aduaneiro e Comércio Exterior Brasileiros na Univali.
Michelle de Medeiros Fidélis***
Assistente na Procuradoria CÃvel (MP/SC). Mestranda em Direito Internacional, Econômico e Comércio Sustentável na UFSC. Pós-graduada em Jurisdição Federal na ESMAFESC.