Observatory on European Studies - A possível adesão da Ucrânia à União Europeia

2022-05-23

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Nuno Cunha Rodrigues*

A construção europeia tem sido feita em termos políticos e económicos, ficando a vertente militar essencialmente confiada aos Estados-Membros, sob a protecção dos Estados Unidos, através da NATO.

As Comunidades europeias nascidas do traumatismo da II Grande Guerra, foram concebidas como entidades políticas pós-modernas, renunciaram a transformarem-se numa potência militar e preferiram a negociação e o Direito ao uso da força, tanto mais que a integração na NATO permitiu que os países europeus se desonerassem das suas responsabilidades estratégicas.

Mais recentemente, o Tratado de Lisboa reviu o Tratado da União Europeia (TUE), desenvolvendo, nos artigos 42º a 46º as disposições relativas à Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD).

Porém, a guerra na Ucrânia tornou evidente que a PCSD da União Europeia é, ainda, altamente insuficiente e que a UE depende da NATO.

No contexto da guerra, e pressionada pela opinião pública, a União Europeia ofereceu à Ucrânia o único bem que, em rigor, pode dispor – a possível adesão deste país a uma zona de paz, democrática e solidária, de conforto e de desenvolvimento económico.

Ficou de lado qualquer envolvimento militar por parte da União Europeia que, até agora, está a cargo dos Estados-membros a título individual e de organizações como a NATO.

No entanto, a possível adesão da Ucrânia à UE, equacionada de forma célere, suscita novos desafios que terão ainda de ser ultrapassados.

Em primeiro lugar o processo de adesão de um Estado à UE deve respeitar o artigo 49.º do TUE bem como os chamados “critérios de Copenhaga”.

Este processo é moroso porquanto pressupõe, entre outros aspetos, que o Estado proponente tenha recebido todo o edifício normativo da UE (o chamado adquirido ou acervo comunitário, também conhecido pelo acquis communautaire) que se estima ser composto por mais de 80.000 (oitenta mil) documentos.

Depois de formulado o pedido de adesão, muitos Estados demoram anos no processo de receção do adquirido comunitário sendo, durante esse período, designados por países candidatos.

Há ainda um longo e moroso processo negocial com a UE durante o qual os Estados candidatos podem solicitar períodos transitórios de adaptação ao Direito da União Europeia depois da adesão, em algumas áreas específicas.

Neste processo devem estar envolvidas todas as instituições de um Estado candidato, nomeadamente o respetivo governo, parlamento e até os tribunais.

Neste momento são países candidatos a Albânia (junho de 2014), a Macedónia do Norte (dezembro de 2005), Montenegro (dezembro de 2010) Sérvia (março de 2012) e Turquia (dezembro de 1999).

No caso da Turquia, a possível adesão dificilmente virá a acontecer a curto ou médio prazo.

Porém, os restantes quatro Estados já têm praticamente concluídos os processos de adesão.

Ora a possível adesão rápida da Ucrânia implicaria ultrapassar aqueles Estados candidatos que iniciaram os processos de adesão, em alguns casos, há mais de dezassete anos o que, politicamente, não seria sustentável.

Poder-se-ia equacionar um cenário de adesão simultânea de todos os Estados em causa, incluindo a Ucrânia.

Porém, também aqui há obstáculos que se suscitam nomeadamente por nunca ter aderido à UE um país em guerra. Sendo certo que a Ucrânia é um país democrático que respeita os valores fundamentais da UE é igualmente certo que qualquer país em guerra tem as suas instituições fragilizadas tornando mais difícil, por exemplo, receber o acquis communautaire ou de negociar cláusulas transitórias.

Seria, por isso, particularmente complexo organizar e concluir um processo de adesão durante o período de guerra.

Poder-se-á pensar num processo de adesão mais prolongado, já depois da guerra acabar.

Aqui, outros desafios serão colocados.

Basta pensar na dimensão territorial e populacional da Ucrânia.

Algumas instituições europeias funcionam baseadas na população de cada Estado-membro.

No caso do Parlamento Europeu a distribuição de eurodeputados entre Estados-Membros atende à população de cada um. O número de votos de cada Estado-Membro no Conselho da União Europeia também atende à população de cada Estado-Membro.

Ora, com cerca de 45 milhões de habitantes, a Ucrânia passará a ser o quarto país mais populoso da UE, a seguir à Alemanha; França e Itália.

A possível adesão da Ucrânia coloca, por isso, desafios à UE em torno dos atuais equilíbrios entre Estados – nomeadamente face ao chamado eixo franco-germânico – ou do epicentro geográfico da UE – que ficará deslocado para leste – e ainda do funcionamento interno de algumas das instituições.

Certo é que, neste momento, a opinião pública europeia é profundamente favorável à adesão da Ucrânia à EU.

É legítimo, por isso, perguntar como podem ser contornados os desafios suscitados perante a exigência da opinião pública.

Em nossa opinião alguns dos desafios já foram contornados através do apoio de facto que a UE vem concedendo à Ucrânia, como se de um Estado-membro se tratasse.

Em termos militares tal tem-se vindo a traduzir na aplicação do artigo 42.º, n.º 7 do TUE de harmonia com o qual se um Estado-Membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance. Pela primeira vez na história, ao abrigo do “Mecanismo Europeu de Apoio à Paz” a UE aprovou um programa de assistência militar que envolve a aquisição de equipamento a um Estado que não faz parte da UE.

Em termos humanitários e económicos o apoio de facto traduziu-se num conjunto de ajudas imediatas e no desenho, já equacionado pela Comissão Europeia, de um gigantesco programa de recuperação económica pós-guerra para a Ucrânia.

Pode ainda pensar-se na hipótese de vir a ser aprovado um acordo de associação UE-Ucrânia mais aprofundado, alterando o acordo vigente desde 2014.

No plano formal, a Ucrânia poderá vir a aderir à UE depois de ultrapassados os desafios anteriormente referidos.

Não sendo previsível que tal ocorra a curto ou médio prazo o que se pretende é que, no momento em que tal venha a ocorrer, a UE partilhe com a Ucrânia, novamente, os valores fundamentais em que foi erguida e de que este país tanto carece neste momento: paz, solidariedade e desenvolvimento económico.

 

* Nuno Cunha Rodrigues

Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Cátedra Jean Monnet