Observatory on European Studies - A Atuação da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR na defesa dos Direitos Humanos relativos aos Ucranianos vindos ao Brasil em face da Guerra

2022-05-16

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Steeve Beloni Correa Dielle Dias* e Marco Antônio César Villatore**

O Presidente da Rússia, Vladmir Putin, dia 24 de fevereiro de 2022, iniciou a invasão da Ucrânia sob o pretexto de “desmilitarizar” o país. O conflito armado continua e se transformou em uma guerra sangrenta que já matou milhares de ucranianos, e forçou grande parte de sua população a abandonar suas casas.

O número de pessoas que fogem da Ucrânia para escapar dos perigos da guerra gerada pela invasão russa passou de 5 milhões de pessoas, e já se tornou a pior crise de refugiados na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Esta injusta invasão desencadeou um deslocamento enorme de pessoas, incluindo mais de 10 milhões de ucranianos que já perderam seus lares e procurando abrigo se deslocaram internamente em seu país.

Aqueles que conseguiram fugir, em sua maioria, cruzou para a União europeia através de pontos de fronteira na Polônia, Hungria, Eslováquia, e Romênia, onde muitos voluntários e alguns governos se esforçaram para ajudar os refugiados, em sua maioria mulheres e crianças, a encontrar alimentos e acomodação.

O Brasil possui uma das maiores comunidades de ucranianos no mundo e mais de 80% deles vivem na região sul do Brasil, principalmente no interior do Estado do Paraná, na pequena cidade de Prudentópolis, com aproximadamente 54 mil habitantes.

No dia 3 de março de 2022, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) editaram e publicaram a Portaria Interministerial nº. 28, que concede o visto temporário e uma autorização de residência para fins de acolhida humanitária aos migrantes ucranianos ou apátridas provenientes da Guerra iniciada no dia 24 de fevereiro pela Rússia contra a Ucrânia.

Esta Portaria Interministerial, nº. 28/2022, permite ao imigrante que queira proteger-se no Brasil a possibilidade de solicitar o visto humanitário, que terá validade por 180 dias (artigo 2o. § 1º.).

Conforme o artigo 5o. §1º. do mesmo texto, todos os que ingressem no Brasil em virtude dos acontecimentos na Ucrânia, independentemente da forma, podem requerer residência para fins humanitários por mais dois anos, e ainda dispõe que este visto é passível de conversão para residência por prazo indeterminado após findo tal período, mediante requerimento do imigrante perante a Polícia Federal (artigo 8o.).

Conforme o artigo 1o. § 2º., a portaria vigorará até o dia 31 de agosto de 2022, podendo ser renovada.

Considerando esses prazos estabelecidos na Portaria, e, considerando a necessidade premente de ajuda e de apoio, inclusive jurídico, a atual Diretoria da OAB/PR por meio de sua Presidente, a Dra Marilena Winter, autorizou o apoio jurídico incondicional da Comissão de Direito Internacional, composta atualmente por 64 advogados a prestarem ajuda, apoio e orientação jurídica gratuita aos imigrantes ucranianos que assim solicitarem.

Esclarecemos que a função das Comissões e de assessoramento da Presidência da OAB em suas diversas áreas de atuação específica e o apoio aos Advogados que militam em cada área, entretanto a gravidade da questão requer uma atuação prática e mais voltada às reais necessidades da sociedade.

Este apoio jurídico contempla ainda que os membros da Comissão possam acompanhar o imigrante ucraniano, no comparecimento à Polícia Federal para solicitar a Carteira de Registro Nacional Migratório (CRNM) no prazo de 90 dias a contar da sua entrada inicial no Brasil. É também no departamento migratório da Polícia Federal que se poderá pleitear e obter autorização de residência para acolhida humanitária, esta, válida por dois anos.

A comissão orienta, entre outras informações, que o Imigrante também pode trabalhar e pedir residência permanente no Brasil no período de 90 dias antes da expiração do prazo da residência temporária.

Esclarecemos que o Legislador brasileiro ao substituir o antigo Estatuto do Estrangeiro (Lei nº. 6.815, de 19 de agosto de 1980) pela Nova Lei de Imigração (Lei nº. 13.445, de 24 de maio de 2017) instituiu uma perspectiva da migração pautada no respeito aos direitos humanos com o repúdio à xenofobia, ao racismo e a quaisquer outras formas de discriminação como um de seus princípios.

As mudanças foram significativas porque em uma perspectiva geral houve a descriminalização da migração, e implementação de um olhar mais humano para o movimento migratório no Brasil, de modo que a entrada regular e a regularização são também estabelecidas como princípio e a nova Lei assegura ainda a isenção de taxas para emissão de documentos para migrantes sem condições financeiras.

O novo texto legal orienta formação de políticas públicas que visam o acesso igualitário e livre do Migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, moradia, trabalho, seguridade social e serviços bancários. Incluiu-se ainda a possibilidade de Participação em protestos e organização sindical, o que era antes proibido pelo Estatuto do Estrangeiro.

Ao nosso ver uma das principais modificações foi a introdução do chamado Visto Humanitário. Atualmente conforme o artigo 13 da Lei nº. 13.445/2017 existem cinco tipos de visto para ingressar ou permanecer no Brasil, de visita, temporário, diplomático, oficial, e de cortesia. De modo que o visto temporário, apresenta uma nova hipótese de enquadramento onde pode ser concedido, que é o caso da acolhida humanitária aos Migrantes de qualquer país que estejam em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, o que claramente vem atender aos anseios e situação dos Ucranianos. (Art. 14, I, C)

Entretanto para a concessão do visto o artigo 3º. requer o preenchimento por parte dos imigrantes de uma série de requisitos, tais como, comprovante de antecedentes criminais expedido pela Ucrânia (podendo ser substituído por declaração do imigrante atestando a sua inexistência), entrevista pessoal e documento de viagem (passaporte válido).

Ressaltamos que esses dois últimos requisitos, excepcionalmente podem ser dispensados a critério da autoridade consular.

É importante salientarmos que esta hipótese de enquadramento de visto temporário é diferente do pedido de refúgio. O refúgio não é uma modalidade de visto. O refúgio é uma proteção internacional concedida para aquelas pessoas que estejam sendo perseguidos em seus países de origem, por diversos motivos, tais como motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas e no Brasil encontra sua regulamentação na Lei nº. 9.474, de 22 de julho de 1997.

O requerente pode receber Documento Provisório de Registro Nacional Migratório para identificação no Brasil enquanto estiver em tramitação o processo de refúgio, a ser julgado pelo Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE).

O CONARE fará a análise de cada pedido de refúgio com base na Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1967, demais fontes do Direito Internacional e a Lei nº. 9.474/1997. (Art. 12, I)

Ressalte-se que a escolha entre o tipo de visto pleiteado ou a solicitação de refúgio é privativa do Imigrante e precisa refletir sua realidade, necessidades e interesses, estando a Comissão de Direito Internacional apta fazer a subsunção do fato à norma, a orientá-lo na escolha, mas mantendo o poder de decisão final ao Imigrante.  

A Comissão de Direito Internacional da OAB/PR em total repúdio à Guerra, em respeito aos Direitos Humanos e principalmente em respeito a estes seres humanos que perderam quase tudo, vem nesse triste momento ajudar os necessitados e prestar essa singela contribuição com a esperança de que sirva para o fortalecimento de uma sociedade mais justa e solidária.

 

Steeve Beloni Correa Dielle Dias*

Advogado, Mestre e Doutor em Direito, Especialista em Direito Comercial Internacional, Professor de Direito Internacional, Presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR

Marco Antônio César Villatore** 

Advogado, Mestre, Doutor e Pós-Doutor em Direito, Professor da Graduação e da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFSC, Membro da Comissão de Direito Internacional da OAB/PR