Jurisdição e ambiente : notícias do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

Nuno Cunha Rodrigues*

A dimensão internacional da proteção ambiental tem-se intensificado, na Europa, colocando em causa o tradicional conceito de jurisdição pessoal ou adjudicativa.

A este propósito importa destacar duas relevantes e recentes decisões judiciais, proferidas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: a primeira, em 9 de abril de 2024 no caso Verein Klimaseniorinnen Schweiz and Others v. Switzerland[1] e a segunda, no mesmo dia, no caso Duarte Agostinho and Others v. Portugal[2].

O primeiro acórdão surgiu na sequência de uma ação proposta na Suíça, por um grupo de mulheres defensoras do clima (“KlimaSeniorinnen Schweiz”) contra o governo Suíço, por considerarem que este não tinha tomado medidas suficientes para cumprir as metas de alteração climática previstas na lei. Esta ação foi considerada improcedente por vários tribunais suíços, incluindo o Supremo Tribunal Federal, em 2020.

O grupo recorreu para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por considerar estar em causa a violação dos artigos 6.º e 13.º da Convenção. Na decisão final, o TEDH condenou a Suíça por entender que não tinha conseguido proteger os seus cidadãos das alterações climáticas “em tempo útil e de forma adequada e consistente”, e exigiu que o país reavaliasse os objectivos em matéria de alterações climáticas, com a supervisão de representantes do Conselho da Europa.

Esta importante decisão do TEDH poderá refletir-se na atuação futura dos Estados-Membros da UE, enquanto países que aderiram à Convenção Europeia dos Direitos do Homem, bem como da UE, ainda que, tendo aderido à Convenção, estejam por definir os termos procedimentais.[3]

O segundo caso – Duarte Agostinho and Others v. Portugal – foi proposto por um grupo de jovens, invocando que Portugal e trinta e dois outros Estados tinham violado a CEDH por não reduzirem as emissões de gases com efeito de estufa de acordo com os compromissos do Acordo de Paris.

Esta ação acabou por ser considerada inadmissível pelo Tribunal por não terem sido esgotados os meios de recurso internos.[4]

Com maior interesse, o TEDH entendeu não ter poderes de jurisdição uma vez que esta ação tinha sido proposta por jovens residentes em Portugal e não nos restantes trinta e dois Estados, pelo que a ação não estava abrangida pela jurisdição territorial (rationi loci) prevista no artigo 1.º da CEDH – que reconhece, a qualquer pessoa dependente da jurisdição das partes contratantes, os direitos e liberdades definidos no título I da Convenção – uma vez que a ação abrangeria apenas Portugal.

Para sustentar esta conclusão, o acórdão analisa, de forma detalhada, as hipóteses de ser exercida jurisdição extraterritorial, à luz dos princípios/exceções acolhidos no Direito Internacional, nomeadamente ponderando o impacto causado pelas emissões de gases com efeito de estufa produzidos a nível nacional, em território estrangeiro.

Porém, no entender do TEDH, tal circunstâncias não eram suficientes para ultrapassar o exercício de jurisdição extraterritorial, tido por inadmissível, por parte do TEDH.[5]

Para o TEDH, nenhum dos Estados demandados exercia, de alguma forma, controlo efetivo fora do seu território nacional, não exercia autoridade ou controlo sobre os demandantes e não se encontrava constituído o dever de investigação previsto no artigo 2.º da CEDH.[6] O TEDH apreciou ainda outro argumento, invocado pelos demandantes, para legitimar a eventual jurisdição extraterritorial, fundado nas “circunstâncias excecionais” e nas “características especiais” da ação em causa, relacionada com as alterações climáticas.

Aqui, o TEDH recordou que esta hipótese deve ser apreciada à luz dos princípios/exceções existentes no Direito Internacional Público, para legitimar o exercício de jurisdição extraterritorial, tal como o princípio do controlo efetivo.

Neste contexto, o Tribunal de Estrasburgo constatou a constante evolução jurídica, a nível nacional e internacional, e as respostas globais às alterações climáticas, mas concluiu não haver fundamento na CEDH para a extensão, por meio de interpretação, da jurisdição extraterritorial dos Estados demandados na forma solicitada pelos requerentes.

Curiosamente, num caso com contornos semelhantes, a Corte Interamericana de Direitos Humanos tinha emitido, em 2017, um parecer sobre direitos humanos e meio ambiente, no qual tinha ampliado a interpretação de jurisdição extraterritorial, aceitando a ligação factual entre a conduta praticada a nível nacional e a violação extraterritorial de direitos humanos na medida em que um Estado exerça um controlo efectivo sobre as actividades dentro do seu território, que implicam a violação de direitos humanos fora das suas fronteiras.[7]

[1] V. acórdão Verein Klimaseniorinnen Schweiz and Others v Sswitzerland [2024] ECHR 304 (09 April 2024).
[2] V. acórdão Duarte Agostinho and others against Portugal and 32 others [2024] ECHR 304 (09 April 2024).
[3] A UE acolhe, enquanto princípios gerais, os direitos fundamentais tal como garante a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do TUE) e faz equiparar o sentido e o âmbito dos direitos previstos na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais aos direitos garantidos pela Convenção (cfr. artigo 52.º, n.º 3 da Carta Europeia dos Direitos Fundamentais).
[4] V. acórdão Duarte Agostinho and others against Portugal and 32 others [2024] ECHR 304 (09 April 2024), parágrafos 215 a 228 e SANTOS (2024).
[5] V. acórdão Duarte Agostinho and others against Portugal and 32 others [2024] ECHR 304 (09 April 2024), parágrafos 178 e 214.
[6] V. acórdão Duarte Agostinho and others against Portugal and 32 others [2024] ECHR 304 (09 April 2024), parágrafos 181 a 202.
[7] V. Inter-American Court of Human Rights, Advisory Opinion OC-23/17, de 15 de novembro de 2017, pedida pela República da Colômbia, parágrafos 79 a 82 e SANTOS (2024).

Este tema pode ser analisado, com mais desenvolvimentos, em NUNO CUNHA RODRIGUES, A globalização do poder regulatório da União Europeia, Almedina, 2024.

*Nuno Cunha Rodrigues
Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Cátedra Jean Monnet. As opiniões expressas vinculam o autor apenas a título pessoal.