Filipe Prado Macedo da Silva*
O Parlamento Europeu acabou de prorrogar, por 12 meses, a entrada em vigor do seu novo Regulamento de “Produtos Não Associados” ao Desmatamento”. A previsão inicial era de entrada em vigor no final do ano, em 30 de dezembro de 2024. Porém, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, diversos parceiros mundiais, incluindo o Brasil, manifestaram preocupações acerca da preparação para atender à nova legislação ambiental europeia.
Apesar dos ambientalistas e ONGs internacionais elogiarem o regulamento europeu como um passo importante no combate ao desmatamento e às mudanças climáticas, também criticaram duramente a UE por conta do adiamento na aplicação da lei.
Dados alarmantes da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estimam que, na média, o mundo perde em torno de 10 milhões de hectares por ano. Entre 1990 e 2020, a FAO calcula que em todo o mundo foram desmatados e degradados ao redor de 420 milhões de hectares de floresta. Isto corresponde a 10% das florestas que ainda sobrevivem no mundo. Em termos de extensão, o desmatamento e a degradação florestal, entre 1990 e 2020, equivalem a metade da superfície territorial do Brasil e a uma superfície superior à da União Europeia (UE).
O desmatamento e a degradação florestal são a segunda fonte principal das emissões de gases de efeito estufa, juntamente com as atividades industriais. Estima-se que cerca de 11% do total das emissões de gases de efeito estufa decorrem da conversão das florestas para outros usos do solo, especialmente, o uso agropecuário. A estimativa é de que cerca de 90% do desmatamento mundial é para conversão em solos agrícolas, sendo que 40% das perdas florestais são para pastoreio de bovinos. Dados da organização WWF dão conta “que as importações da UE são responsáveis por 16% do desmatamento mundial”.
Neste contexto, a floresta amazônica é a maior vítima de desmatamento e degradação. É importante notar que a floresta amazônica abrange seis países da América do Sul, sendo que o Brasil tem 62% do total desta floresta. No Brasil, a Amazônia alcança cerca de 59% do território do país, envolvendo 775 municípios (que fazem parte da chamada Amazônia Legal) e mais de 20 milhões de habitantes.
E, o que mais chama a atenção do mundo, é que a floresta amazônica representa 67% das florestas tropicais no mundo e é atualmente a maior cobertura florestal “primária” (aquela que nunca foi desmatada e se desenvolveu a partir dos processos naturais, inclusive de regeneração natural).
O problema é que, grande parte, do desmatamento na Amazônia, é considerado ilegal pela própria lei brasileira – acima dos 20% permitidos pelo Código Florestal – e com propósitos de abertura de pastagem – 90% do desmatamento é para a criação de pastos para bovinos, de acordo com os dados do MapBiomas. São esses dados de crime/destruição ambiental que colocam o Brasil como um país “de alto risco” no contexto do Regulamento da UE.
Além do mais, no caso da Amazônia brasileira, existe o agravante de risco relacionado aos produtos produzidos e/ou extraídos de terras pertencentes aos povos indígenas (artigo 10º do Regulamento de Desmatamento da UE).
Mas, o que isto significa em termos comerciais? Isto significa que o Regulamento da UE bloqueará a importação de produtos agropecuários selecionados – bovinos, cacau, café, dendê, borracha, soja e madeira – que sejam provenientes de terras desmatadas e/ou degradadas em qualquer parte do mundo.
O marco temporal da lei europeia estabelece 31 de dezembro de 2020 como o limite para determinar as áreas florestais, sejam elas “primárias” ou “plantadas”, que não poderão mais ser desmatadas e/ou degradadas, sobretudo, para a produção dos sete produtos agrícolas selecionados, por serem os maiores vilões do desmatamento mundial. Inclusive, o desmatamento e a degradação natural – sem participação humana – não liberam tais áreas para a produção agrícola após 31 de dezembro de 2020. O compromisso deve ser de restaurar a cobertura vegetal e/ou aprimorar o manejo florestal das áreas atingidas.
Em caso de descumprimento, os países-membros podem aplicar diferentes penalidades, como: multas (no nível máximo de, pelo menos, 4% do volume de negócios total anual do operador ou comerciante em nível da UE no ano financeiro anterior), confiscos de produtos e receitas obtidas com as vendas irregulares, e até a proibição temporária das atividades econômicas no território da UE.
É importante destacar que a fiscalização dos produtos agropecuários selecionados e seus derivados inclui não apenas os países terceiros produtores, como o Brasil, mas igualmente aqueles produzidos e processados dentro da UE como, por exemplo, os bovinos irlandeses e a madeira sueca, ou o café torrado alemão e o chocolate belga.
Na região amazônica, três produtos agropecuários exportados correm o risco de bloqueio nas fronteiras da UE: bovinos, soja e madeira. E, o grande problema, é que os “produtos de desmatamento” podem afetar as exportações dos mesmos produtos produzidos em áreas legalizadas de outras regiões, como do Sudeste e do Sul. Dois mapas a seguir, ambos do Nexo Jornal, mostram que os bovinos e a soja estão sistematicamente avançando rumo às fronteiras da floresta amazônica: pelo sul e leste do Pará; pelo sudeste do Amazonas; e por Rondônia. Mato Grosso, Tocantins e oeste do Maranhão já estão totalmente tomados pelo agronegócio bem antes de 2020.
Os dados da localização geográfica da produção de bovinos e soja (em grão) são do último Censo Agropecuário de 2017. A sobreposição esverdeada refere-se à Amazônia Legal – com delimitação de 2020, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Figura 1 – Bovinos e Soja (em grão) na Amazônia Legal
Fonte: Nexo Jornal (2017 e 2018) e IBGE (2020).
Adaptado por Filipe Prado Macedo da Silva.
No caso da madeira, o problema na Amazônia já é recorrente a longas décadas. Isto quer dizer que grande parte da madeira exportada é ilegal ou apresenta alguma irregularidade. E, um dos principais destinos sempre foi a Europa, sobretudo, Bélgica, França, Portugal e Países Baixos. Inclusive, durante a maior apreensão de madeira ilegal da história do Brasil, em dezembro de 2020, o delegado Alexandre Saraiva criticou duramente o Regulamento da UE (995/2010) referente às obrigações dos operadores que colocam no mercado europeu madeira e produtos de madeira.
Neste sentido, o novo Regulamento de Desmatamento da UE é muito mais duro e rigoroso, revogando o Regulamento nº 995/2010, acerca dos produtos agropecuários que entrarão no mercado europeu. Com a nova lei, a madeira ilegal amazônica terá muita dificuldade de entrar na UE.
Assim, as novas exigências europeias em torno da rastreabilidade e da geolocalização dos produtos agrícolas contribuirão, em parte, para a redução do desmatamento florestal e da degradação da Amazônia. Não restam dúvidas de que a lei europeia ajudará a qualificar a oferta dos produtos agropecuários que atenderão às demandas dos 27 países-membros da UE. Em poucas palavras, os produtos oriundos de desmatamento serão considerados ilegais, ocupando a mesma prateleira dos produtos proibidos pela legislação da UE.
O fato é que a UE não esconde o seu interesse de ser protagonista e, assim, “influenciador normativo” do mundo com o seu novo paradigma ambiental. Em suma, a UE quer liderar a transição ecológica global, o que inclui combater o desmatamento e a degradação florestal em nível mundial.
No Brasil, podemos aproveitar o novo paradigma ambiental europeu para fortalecer nossas agências de fiscalização ambiental (como o Ibama e o ICMBio) e promover novas políticas públicas sustentáveis que valorizem o potencial da floresta amazônica viva!
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*Filipe Prado Macedo da Silva
Professor e Pesquisador do Instituto de Economia e Relações Internacionais (IERI) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Experto em Europa e União Europeia. Líder do “Conexão Bruxelas | Grupo de Estudo sobre Europa e União Europeia”. E-mail institucional: filipe.prado@ufu.br