Suzana Marques Vieira de Carvalho*
O Reino da Espanha, localizado no sudoeste da Europa, é uma monarquia parlamentar e um Estado unitário com notável autonomia regional, cujos princípios incluem a defesa da democracia, dos direitos humanos e da igualdade. O país sobressai sendo a quarta maior economia da União Europeia (UE), responsável por compor 8,6% do PIB total do bloco. Socialmente, a nação se caracteriza por um IDH muito elevado e alta expectativa de vida, embora enfrente a adversidade crônica do desemprego [1]. Dentro da UE, a Espanha é líder em temas de transição energética e diplomacia com as Américas, assumindo o papel de ponte estratégica entre os continentes, sendo defensora de acordos como o UE-Mercosul.
A economia da Espanha, com PIB de cerca de 1,47 trilhão de euros, é fortemente integrada ao mercado europeu [1].O setor de serviços domina a estrutura produtiva, respondendo por 68,7% do PIB e impulsionado pelo turismo, que coloca o país como a segunda maior potência turística mundial. A base industrial representa 20,1% do PIB, com destaque para os segmentos automotivo e químico, ambos fortemente voltados à exportação. Complementarmente, o setor agropecuário, responsável por 2,5% do PIB, garante ao país posição estratégica como “horta da Europa” e liderança global na produção de azeite e vinho [2]. Na política externa, a Espanha mantém prioridade nas relações com a América Latina e considera o Mercosul essencial para o desenvolvimento socioeconômico regional. No primeiro semestre de 2025, exportou 2.256,7 milhões de euros ao bloco (1,1% do total comercial declarado) e importou 5.181 milhões de euros (2,3%) [3]. Embora reconheça o acordo como central na estratégia de comércio exterior, o país protege setores domésticos sensíveis, sobretudo pecuária de corte e produção de açúcar.
O Reino entende que os principais ganhos estão na expansão das exportações de seus ramos mais competitivos. O setor agroalimentar seria beneficiado com a abertura do mercado do Mercosul para produtos onde a Espanha é líder, como azeite, vinho, e carne suína [2]. Ademais, a indústria também seria privilegiada com a redução de tarifas. A expectativa é que essa expansão gere empregos e aumento da competitividade. Entretanto, a Espanha também reconhece que as perdas potenciais seriam em subsetores específicos pela concorrência dos produtos do Mercosul, que prejudicaria os produtores espanhóis. Além disso, há uma preocupação com os padrões de produção e o risco de desmatamento na América Latina. Essa dualidade se reflete na expectativa pública que se polarizou. Enquanto parte da população enxerga o acordo como uma oportunidade de reduzir a dependência da Rússia e China, outra parte resiste, argumentando que o acordo irá contra os padrões ambientais e de segurança alimentar da UE. Por fim, a imprensa nacional apresenta o acordo como a criação da “maior zona de comércio livre do mundo”, sublinhando a sua importância, mas também mostram os obstáculos ao tratado ao destacar as oposições de países parceiros [4].
A posição oficial do governo espanhol, liderado pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), é de apoio ao Acordo UE-Mercosul, visto como uma necessidade geopolítica e uma resposta à atual tendência global de protecionismo. No contexto do parlamento nacional, essa visão é partilhada pelo Partido Popular (PP), principal força de oposição ao governo, revelando um consenso institucional sobre a importância do acordo. Todavia, existe uma oposição ao conteúdo do acordo por parte de partidos diversos, como o partido de extrema-direita VOX e partidos de esquerda como PODEMOS, o Esquerra Republicana de Catalunya (ERC) e o EH Bildu [5]. O argumento central é a “concorrência desleal” para o setor agrícola da Espanha, sob a alegação de que o Mercosul adota padrões de produção menos restritivos que os europeus . Apesar do debate intenso, o peso político dessa oposição é insuficiente, pois a soma dos votos do PSOE e do PP garante uma maioria expressiva, o que torna altamente provável a ratificação do acordo no âmbito legislativo nacional.
Como o quarto país mais populoso da UE, a Espanha exerce forte influência no Parlamento Europeu [6]. A posição dos eurodeputados sobre o Acordo UE-Mercosul reflete a polarização nacional. Por um lado, eurodeputados do PSOE (grupo S&D) e PP (grupo EPP) defendem o pacto, alinhados ao governo espanhol e ressaltando sua importância geopolítica e comercial. Essa linha é reforçada por votações e elaboração de relatórios favoráveis, com atuação de eurodeputados pela defesa do acordo, como Gabriel Mato (PP), presidente da Delegação à Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana. Em contrapartida, VOX (grupo Patriotas pela Europa) e ERC (grupo Verdes/ALE) se opõem, criticando a ausência de garantias ambientais e trabalhistas, além de rejeitarem relatórios pró-acordo. No contexto europeu, a Espanha converge com países como a Alemanha, mas diverge de França e Irlanda, que lideram a resistência.
No debate sobre o Acordo, diferentes organizações civis atuam ativamente. O setor empresarial, representado pela CEOE e pela Câmara de Comércio da Espanha, defende o acordo, demandando a ratificação para garantir acesso a matérias-primas, segurança jurídica e a eliminação de tarifas [7]. A sua estratégia foca no lobby junto ao governo e instituições da UE e na publicação de relatórios sobre os benefícios econômicos. Em oposição,um bloco formado por organizações agrícolas (como ASAJA [8] e COAG [9]), sindicatos (UGT [10], CCOO [11]) e ONGs (Greenpeace [12], Ecologistas en Acción [13]), que exigem a rejeição do pacto. Suas preocupações centrais são ameaça à agricultura, destruição de postos de trabalho e impacto ambiental, recorrendo a manifestações, campanhas e relatórios para pressionar pela recusa ao pacto.
A posição da Espanha perante o Acordo UE-Mercosul pode ser entendida como uma arquitetura estratégica de negociação de três níveis, que equilibra interesses irredutíveis com uma flexibilidade pragmática para garantir a viabilidade do pacto. No primeiro nível, o da defesa de interesses fundamentais, Madrid considera a ratificação do acordo um imperativo geopolítico e não cede em pontos cruciais, como o acesso efetivo para sua indústria e serviços, a proteção de suas Denominações de Origem e a inclusão de cláusulas de sustentabilidade vinculativas. Já no segundo nível, o da flexibilidade tática, a Espanha demonstra disposição para negociar os detalhes mais contenciosos, como o volume e os prazos das quotas agrícolas, bem como os mecanismos técnicos de salvaguarda e de monitorização ambiental, onde prioriza a cooperação em detrimento de sanções. Finalmente, o terceiro nível revela as concessões estratégicas, onde Madrid aceitaria quotas maiores para produtos de baixo impacto competitivo em troca de ganhos industriais, ou mesmo um acesso limitado a produtos sensíveis, desde que sob a condição estrita de contrapartidas claras e verificáveis, como monitorização anti desmatamento e fundos de compensação, numa abordagem negocial baseada no quid pro quo.
Portanto, sabendo que o acordo reduz a dependência da UE e diversifica suas relações, o Reino da Espanha reconhece que o modelo cooperativo do Acordo previne o protecionismo e fomenta o engajamento, alinhando a sustentabilidade à agenda social, um pilar de sua política externa. Esta posição fundamenta-se em sua experiência em energias renováveis, com mais de 50% de sua matriz elétrica limpa e em suas baixas emissões per capita, posicionando o país como uma liderança em desenvolvimento sustentável [14]. Simultaneamente, os desafios internos enfrentados, como o desemprego e as metas de reciclagem, serão apresentados como a demonstração de que a transição ecológica é viável, somente, através da colaboração e do investimento. Nesse sentido, a Espanha se posiciona firmemente como mediadora e promotora da sustentabilidade e da autonomia estratégica europeia, participando ativamente da criação de resoluções complementares, como mecanismos e plataformas de cooperação para investir na transição justa e no desenvolvimento de políticas sustentáveis em parceria com o Mercosul.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] União Europeia. “Espanha – Perfil do país da UE.” Acessado em 10 de outubro de 2025. https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/eu-countries/spain_pt.
[2] Santander Trade Markets. “Economia da Espanha.” Acessado em 10 de outubro de 2025. https://santandertrade.com/pt/portal/analise-os-mercados/espanha/economia.
[3] Secretaría de Estado de Comercio. Informe Mensual de Comercio Exterior. Ministerio de Industria, Comercio y Turismo. https://comercio.gob.es/ImportacionExportacion/Informes_Estadisticas/Documents/informe-mensual/Informe-Mensual-de-Comercio-Exterior-ultimo-periodo.pdf.
[4] CNN Brasil. “Veja o que os jornais da Europa estão falando sobre o acordo Mercosul-UE.” Acessado em 11 de outubro de 2025. https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/veja-o-que-os-jornais-da-europa-estao-falando-sobre-o-acordo-mercosul-ue/.
[5] Congreso de los Diputados. “Proposición no de Ley para instar al Gobierno a la no ratificación del Acuerdo de Asociación entre la Unión Europea y MERCOSUR.” 14 de junho de 2024. https://www.congreso.es/es/busqueda-de-iniciativas?p_p_id=iniciativas&p_p_lifecycle=0&p_p_state=normal&p_p_mode=view&_iniciativas_mode=mostrarDetalle&_iniciativas_legislatura=XV&_iniciativas_id=161/001764.
[6] Parlamento Europeu. “Pesquisa avançada | Pesquisa | Deputados | Parlamento Europeu | Espanha.” Acessado em 10 de outubro de 2025.https://www.europarl.europa.eu/meps/pt/search/advanced?name=&euPoliticalGroupBodyRefNum=&countryCode=ES&bodyType=ALL.
[7] Cámara de Comercio de España. “La Cámara de España Valora Positivamente El Acuerdo de Asociación UE – Mercosur.” 10 de dezembro de 2024. https://www.camara.es/camara-espana-valora-positivamente-acuerdo-asociacion-ue-mercosur.
[8] Asociación Agraria de Jóvenes Agricultores. “ASAJA Denuncia La Ratificación Exprés de Los Acuerdos Con Mercosur Y Estados Unidos.” Asaja, 4 de setembro de 2025. https://www.asaja.com/asaja-denuncia-la-ratificacion-expres-de-los-acuerdos-con-mercosur-y-estados-unidos/.
[9] Coordinadora de Organizaciones de Agricultores y Ganaderos de Andalucía. “NO al ACUERDO CON MERCOSUR.” COAG Andalucía, 18 de dezembro de 2024. https://www.coagandalucia.com/2024/12/18/no-al-acuerdo-con-mercosur/.
[10] Unión General de Trabajadoras y Trabajadores. “El acuerdo UE-Mercosur no tendrá efectos positivos sobre el empleo en España.” UGT, 2021. https://www.ugt.es/el-acuerdo-ue-mercosur-no-tendra-efectos-positivos-sobre-el-empleo-en-espana.
[11] Comisiones Obreras (CCOO). Declaración Conjunta de los Grupos Asesores de Centroamérica y la Unión Europea. Madrid, 25 de junho de 2025. https://www.ccoo.es/4a956118d5423c44964edae00b5ec88b000001.pdf.
[12] Greenpeace. “Toxic EU-Mercosur trade deal agreed.” Greenpeace European Unit, 29 de novembro de 2024. https://www.greenpeace.org/eu-unit/issues/climate-energy/47350/toxic-eu-mercosur-trade-deal-agreed/.
[13] Ecologistas en Acción. “Ecologistas En Acción Rechaza La Firma Del Tratado Entre La UE Y Mercosur.” 7 de dezembro de 2024. https://www.ecologistasenaccion.org/329200/ecologistas-en-accion-rechaza-la-firma-del-tratado-entre-la-ue-y-mercosur/.
[14] “L’Espagne a Dépassé Pour La Première Fois Les 50% d’Électricité Renouvelable En 2023.” Le Figaro, 4 de janeiro de 2024. https://www.lefigaro.fr/flash-eco/l-espagne-a-depasse-pour-la-premiere-fois-les-50-d-electricite-renouvelable-en-2023-20240104
*Suzana Marques Vieira de Carvalho
Graduanda em Defesa e Gestão Estratégica Internacional pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. ORCID: 0009-0003-4265-6315. LATTES: http://lattes.cnpq.br/1683465072030210