Análise do posicionamento da República Tcheca frente ao Capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável (TSD) do Acordo de Associação UE-Mercosul

Gabriella Amui*

A República Tcheca, localizada no centro da Europa, é um Estado-membro da União Europeia desde 2004, com população de cerca de 10,9 milhões de habitantes e capital em Praga. Trata-se de uma república parlamentar estável que, apesar de não utilizar o euro, integra o Mercado Único e o espaço Schengen, beneficiando-se de forte inserção nas cadeias de valor europeias [1]. O país apresenta bons indicadores sociais, com uma das taxas de desemprego mais baixas da UE, e uma economia diversificada baseada, principalmente, em serviços e indústrias. Na UE, a República Tcheca é reconhecida por seu perfil pragmático em negociações internacionais, priorizando competitividade e sustentabilidade econômica, além da sua forte integração às cadeias de valor globais [2].

A economia da República Tcheca, com PIB de cerca de US$ 343 bilhões em 2023, é altamente aberta e orientada à exportação, destacando-se os setores automotivo, de engenharia mecânica e elétrica, produtos químicos, TIC e serviços. Suas principais exportações são carros (US$ 32,8 bilhões, equivalentes a 9,6% do PIB), peças automotivas (US$ 16,3 bilhões, 4,8%), equipamentos de transmissão (US$ 8,32 bilhões, 2,4%) e computadores (US$ 6 bilhões, 1,8%) [3].

As relações comerciais com o Mercosul são marginais, representando 0,23% do comércio exterior tcheco. Entre 2014 e 2020, as exportações anuais para o bloco foram de cerca de CZK 7,5 bilhões, concentrando-se em peças automotivas, componentes de aeronaves, tubos metálicos, máquinas e mobiliário médico, enquanto as importações incluem celulose e papel reciclado, rações, tabaco, frutas, nozes e café [4].

O Acordo UE-Mercosul deve aumentar o PIB real da Chéquia em 0,239% ao ano e as exportações em 0,294%, gerando economias anuais de 2,188 bilhões de CZK em tarifas e 7,710 bilhões em barreiras não tarifárias. Destacam-se como setores beneficiados o têxtil (+563,3% nas exportações), engenharia mecânica e elétrica (+218,8%), químico (+108%), automotivo (+103,5%) e TIC (+46%), além de vantagens em certificações, contratos públicos e indicações geográficas. Por outro lado, projeta-se retração de 1,148% na agricultura e alimentos em 15 anos, 0,43% no farmacêutico e 0,229% em mineração e metalurgia, com agravamento do saldo comercial e queda nos salários reais. Preocupações persistem quanto à burocracia, concorrência chinesa, altas taxas e falta de reconhecimento mútuo de certificações [4]. Internamente, o acordo divide opiniões: setores industriais veem oportunidades, enquanto agricultores alertam para riscos ambientais e à competitividade, mantendo a opinião pública cautelosa [5].

O governo tcheco, através do Primeiro-Ministro Petr Fiala e do Chanceler Jan Lipavský, expressou apoio ao reforço das relações comerciais entre UE e Mercosul durante a Cúpula UE-CELAC (2023), destacando setores estratégicos como energia, matérias-primas, indústria automotiva, aviação, defesa, tecnologias avançadas e cibersegurança [6].

Ainda sem parecer formal do Parlamento Nacional, a composição da Câmara dos Deputados sugere tendência favorável à ratificação: a base governista (ODS, STAN, KDU-ČSL e TOP 09, totalizando 104 deputados) alinha-se com o governo. A oposição (96 deputados) mantém cautela: ANO é pragmático e atento ao agro, SPD critica por soberania e proteção agrícola, e o Partido Pirata levanta questões ambientais. Espera-se maioria favorável, dependendo de negociações sobre salvaguardas agrícolas e sensibilidades políticas [7].

A delegação da República Tcheca no Parlamento Europeu conta com 21 eurodeputados, distribuídos entre diferentes grupos políticos, sem protagonismo na condução de relatórios ou debates sobre o Acordo UE-Mercosul. O grupo “Patriotas pela Europa” reúne 10 parlamentares protecionistas, enquanto o Partido Popular Europeu (PPE), com 5 representantes, tende a apoiar a liberalização comercial, alinhando-se à visão do governo tcheco. O grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), com 3 eurodeputados do ODS, apoia a abertura de mercados, mas com cautelas ambientais e regulatórias; a eurodeputada Veronika Vrecionová defende negociações que conciliem preocupações agrícolas com os benefícios do livre comércio, como concorrência saudável, redução de preços, inovação, investimento, acesso a novos mercados e matérias-primas estratégicas. A delegação ainda inclui uma eurodeputada dos Verdes/Aliança Livre Europeia (PIRÁTI) e dois não-inscritos (SPD e KSČM), críticos a acordos de livre comércio. Assim, embora sem protagonismo legislativo, os eurodeputados tchecos apresentam posições divididas sobre o acordo [8].

No debate sobre o acordo UE-Mercosul, atuam principalmente grupos empresariais e associações, como a Confederação da Indústria e dos Transportes, representada por Jan Rafaj, e a Câmara de Comércio Tcheca, liderada por Zdeněk Zajíček, abrangendo setores como automotivo, engenharia, química, TI e energia. Suas demandas incluem redução de barreiras tarifárias e não tarifárias, acesso a novos mercados, diversificação das cadeias de suprimentos e promoção de normas ambientais e sociais. Para alcançar esses objetivos, utilizam estratégias explícitas como lobby junto ao governo, elaboração de relatórios técnicos e estudos de impacto econômico, como o estudo da Universidade Técnica de Liberec, e divulgação pública de declarações e posicionamentos, reforçando seus argumentos sobre os benefícios do acordo para a indústria tcheca [9].

A Chéquia mantém posições de defesa no acordo com o Mercosul, incluindo a proteção de Indicações Geográficas de produtos tradicionais como o “Žatecký chmel” e a “České pivo”, a preservação de serviços públicos essenciais e a exigência de cumprimento dos rigorosos padrões sanitários e fitossanitários da UE. O país também assegura mecanismos de salvaguarda agrícola para produtos sensíveis e defende compromissos ambientais e trabalhistas, como a implementação do Acordo de Paris e o princípio da precaução [4].

Ao mesmo tempo, a Chéquia demonstra flexibilidade em pontos que podem gerar ganhos econômicos, como a redução de tarifas sobre importações do Mercosul, a aceitação de impactos marginais em setores domésticos como agricultura, farmacêutica e mineração, a liberalização do comércio de serviços, o acesso recíproco a contratos públicos e a simplificação de processos de certificação, especialmente nas indústrias automotiva, mecânica, química, farmacêutica e alimentícia [4].

A República Tcheca adotará uma estratégia de intervenção para defender seus interesses econômicos no Acordo Mercosul-UE, destacando a importância da diversificação de parceiros como alternativa às incertezas comerciais geradas pela administração dos Estados Unidos, histórico aliado da UE, sob Donald Trump. Destacará os grandes mercados consumidores do Mercosul e as oportunidades para exportadores tchecos, apoiando-se em dados de crescimento exportador e participação global da indústria. Defenderá também salvaguardas ambientais e regulatórias, combinando argumentos econômicos, sociais e políticos, com foco em competitividade e empregos. Atuando em duas frentes de coordenação: com o Grupo de Visegrado, para alinhar posições da Europa Central e aumentar peso coletivo, e com a Alemanha, devido à sua influência política e econômica na UE, buscando apoio para medidas estratégicas conjuntas. Assim, a Tchéquia equilibra interesses comerciais, responsabilidade socioambiental e coordenação política para fortalecer sua posição nas negociações.

Bibliografia:
[1] ACADEMIALAB. Economia da República Tcheca. AcademiaLab. 2025. Disponível em: https://academia-lab.com/enciclop%C3%A9dia/economia-da-republica-tcheca/. Acesso em: 1 set. 2025.
[2] UNIÃO EUROPEIA – Direção-Geral da Comunicação. Chéquia – perfil deste país da UE. Disponível em: https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/eu-countries/czechia_pt. Acesso em: 1 set. 2025.
[3] Observatory of Economic Complexity (OEC). Czechia (CZE) Exports, Imports, and Trade Partners. Disponível em: https://oec.world/en/profile/country/cze. Acesso em: 03 set. 2025.
[4] KOCOUREK, Aleš; ŠIMANOVÁ, Jana; KEJZAR, Jiří. Dopadová studie dohody EU–Mercosur. Ministério da Indústria e Comércio da República Tcheca (MPO), 2023. Disponível em: https://mpo.gov.cz/assets/cz/zahranicni-obchod/spolecna-obchodni-politika-eu/dohody-o-volnem-obchodu/2023/3/Dopadova-studie-MerCoSur_FIN.pdf. Acesso em: 3 set. 2025. ‌
[5] EUROTODAY. Acordo União Europeia-Mercosul representa riscos para consumidores e competitividade dos agricultores tchecos. Disponível em: https://eurotoday.org/union-eu-mercosur-agreement-poses-risks-to-czech-consumers-and-farmers-competitiveness/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 3 set. 2025.
[6] VLÁDA ČESKÉ REPUBLIKY. Premiér Fiala se v Bruselu zúčastnil summitu zemí EU a Latinské Ameriky a Karibiku. Praga, 18 jul. 2023. Disponível em: https://vlada.gov.cz/cz/media-centrum/aktualne/premier-fiala-se-v-bruselu-zucastnil-summitu-zemi-eu-a-latinske-ameriky-a-karibiku-207159/. Acesso em: 4 set. 2025.
[7] KNOWPIA. 2025 Czech parliamentary election. Disponível em: https://www.knowpia.com/knowpedia/2025_Czech_parliamentary_election. Acesso em: 4 set. 2025.
[8] EUROPEAN PARLIAMENT. Membros do Parlamento Europeu: República Tcheca. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/meps/pt/search/advanced?countryCode=CZ. Acesso em: 8 set. 2025.
[9] MINISTÉRIO DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DA REPÚBLICA TCHECA. Future free trade agreement with Mercosur as a huge opportunity for Czech companies. Disponível em: https://mpo.gov.cz/en/guidepost/for-the-media/press-releases/future-free-trade-agreement-with-mercosur-as-a-huge-opportunity-for-czech-companies–285017/?utm_source=chatgpt.com. Acesso em: 4 set. 2025.

*Gabriella Amui