Sebastião de Assis Silva Neto* e Luan Werneck Cesar Mathias da Costa**
A Lituânia é Estado-membro da União Europeia desde 2004 e integra também a Zona do Euro. Politicamente, configura-se como uma república parlamentarista, com instituições democráticas consolidadas. O país possui cerca de 2,8 milhões de habitantes e tem apresentado crescimento econômico consistente desde sua adesão à União Europeia, com destaque para o setor de serviços e para a integração às cadeias produtivas europeias. No cenário internacional, a Lituânia posiciona-se como defensora da integração econômica, do fortalecimento do mercado único e de uma política comercial alinhada aos padrões da União Europeia. Seu papel no bloco combina a defesa de interesses agrícolas com o apoio a políticas industriais e tecnológicas voltadas ao aumento da competitividade europeia.
A estrutura econômica lituana baseia-se predominantemente no setor de serviços, responsável por cerca de 63% do Produto Interno Bruto (PIB), seguido pela indústria (34%) e pela agropecuária (3%). Entre os principais ramos industriais, destacam-se a manufatura de móveis, a produção de produtos químicos, os derivados de petróleo e as tecnologias da informação. Em 2024, as exportações de bens totalizaram aproximadamente €36,8 bilhões, tendo como principais parceiros comerciais os países da União Europeia, especialmente Alemanha, Polônia e Letônia. As exportações concentram-se em derivados de petróleo, trigo, automóveis e móveis, enquanto as importações são compostas principalmente por petróleo bruto, veículos, máquinas, medicamentos e plásticos.
O comércio direto com o Mercosul permanece limitado, representando uma fração reduzida do total do comércio exterior lituano. Em 2024, o intercâmbio bilateral somou cerca de €120 milhões em exportações lituanas, sobretudo produtos químicos, máquinas e mobiliário, e aproximadamente €95 milhões em importações, compostas majoritariamente por grãos, frutas e insumos agrícolas. Embora esses fluxos representem menos de 1% do comércio exterior do país, apontam potencial de expansão, especialmente nos setores industrial, químico e de serviços logísticos. Apesar da baixa dependência do setor agrícola, há preocupação entre os produtores rurais quanto à concorrência externa.
Nesse contexto, a Lituânia vislumbra possíveis ganhos em setores industriais e de serviços com a eventual ratificação do Acordo União Europeia–Mercosul, sobretudo pela redução tarifária e pela ampliação do acesso ao mercado sul-americano. Empresas dos ramos de mobiliário, produtos químicos, tecnologia e logística são vistas como potenciais beneficiárias, enquanto a maior integração em cadeias produtivas europeias poderia gerar efeitos indiretos positivos para a economia nacional. Por outro lado, os maiores riscos concentram-se no setor agropecuário, que manifesta preocupação com a concorrência de produtos agrícolas oriundos do Mercosul, como carne bovina, aves e açúcar. Tais produtos poderiam pressionar os preços internos e comprometer a competitividade local, além de suscitar receios quanto a impactos sociais e ambientais decorrentes de eventuais assimetrias regulatórias.
A opinião pública e a imprensa lituana refletem essa divisão: enquanto os setores industriais demonstram entusiasmo, o meio rural adota uma postura cautelosa e, em muitos casos, contrária ao acordo. O governo lituano, por intermédio do Ministério da Agricultura, declarou oficialmente não apoiar a ratificação do Acordo União Europeia–Mercosul nas condições atuais. O ministro Ignas Hofmanas reiterou que tal posição se baseia em deliberação do Comitê de Assuntos Rurais do Seimas (Parlamento), que manifestou oposição ao texto vigente. Esse comitê desempenha papel central nas deliberações sobre agricultura, política agrária e comércio internacional, atuando como órgão consultivo obrigatório do Ministério da Agricultura. Tradicionalmente composto por parlamentares de diferentes partidos — com significativa representação de interesses agropecuários —, o Comitê exerce influência política considerável, moldando a formulação de políticas nacionais e limitando a margem de ação do Executivo.
A oposição formal do Comitê ao acordo reforça a resistência interna e impõe restrições à estratégia governamental. Seus principais argumentos concentram-se na necessidade de proteger a agricultura nacional, implementar salvaguardas adicionais e assegurar equivalência regulatória em padrões sanitários e ambientais. No Parlamento, partidos e parlamentares ligados ao setor agrícola mantêm postura firmemente contrária à ratificação, enquanto setores industriais, representados por partidos de centro e pela Confederação de Industrialistas da Lituânia (LPK), demonstram apoio condicionado. A força política da oposição agrícola tende a dificultar o avanço do acordo caso não sejam incorporadas modificações substanciais.
No Parlamento Europeu, a participação lituana no debate ocorre sobretudo por meio de eurodeputados vinculados à Comissão de Comércio Internacional (INTA), como Petras Auštrevičius (Renew, LT), membro suplente. Embora a Lituânia não exerça papel de destaque no dossiê Mercosul, seus representantes parlamentares tendem a alinhar-se às orientações de seus grupos políticos, mantendo, contudo, atenção às preocupações domésticas. Dessa forma, é provável que apoiem ajustes ou salvaguardas voltados à mitigação de impactos sobre a agricultura, mesmo reconhecendo os benefícios comerciais mais amplos do acordo.
Entre os principais atores do debate nacional destacam-se a Câmara de Agricultura da Lituânia e as associações de produtores rurais, que rejeitam o acordo nas condições atuais e demandam mecanismos de proteção. Em contrapartida, a Confederação de Industrialistas (LPK) e federações empresariais manifestam apoio, defendendo o acesso a novos mercados, a previsibilidade regulatória e a integração em cadeias globais de produção. Além desses, organizações não governamentais ambientais e setores da sociedade civil também exercem influência significativa no debate. Dentre elas, sobressaem-se a Greenpeace, a Friends of the Earth Europe e a BirdLife International, que, embora sediadas fora do país, mantêm atuação ativa tanto na esfera lituana quanto europeia. Essas organizações conduzem campanhas contrárias à ratificação do acordo, alegando riscos de aumento do desmatamento na Amazônia, retrocesso em padrões ambientais e impactos negativos sobre agricultores familiares europeus. Na Lituânia, essas ONGs operam em rede com associações ambientais locais, promovendo seminários, campanhas midiáticas e relatórios técnicos. Tal engajamento contribui para um maior equilíbrio no debate público, contrapondo-se ao peso político das associações rurais e industriais.
Em síntese, a posição da Lituânia em relação ao Acordo União Europeia–Mercosul reflete uma tensão entre oportunidades econômicas e preocupações setoriais. Enquanto os setores industriais e de serviços identificam potencial de expansão e integração em cadeias produtivas globais, o setor agropecuário manifesta resistência diante dos riscos de perda de competitividade e dos possíveis impactos sociais e ambientais. Essa dualidade evidencia o caráter multifacetado do debate interno, no qual interesses econômicos, regulatórios e políticos se entrelaçam. Assim, a decisão sobre a ratificação do acordo dependerá da capacidade do país em equilibrar esses interesses, garantindo salvaguardas adequadas sem comprometer seu compromisso com o comércio aberto e a integração europeia.
Referências
European Parliament. Trade Aspects of the EU-Mercosur Association Agreement. Brussels: European Parliament, 2021.
Export, Investments and Tourism Promotion. Lithuania Economic Data & Projections. 2025.
OEC – Observatory of Economic Complexity. Lithuania (LTU): Exports, Imports and Trade Partners. 2025.
Brussels Morning. “Lithuania’s Agriculture Minister Opposes EU-Mercosur Deal.” 2025.
LPK – Lithuanian Confederation of Industrialists. Business Delegation in Brussels (Agenda). 2025.
“Lithuania Is Against EU-Mercosur Trade Deal, Says Minister.” 2025.
“Lithuanian Seimas Committee on Rural Affairs Opposes EU-Mercosur Trade Agreement.” 2025.
*Sebastião de Assis Silva Neto
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Estado do Pará e Pesquisador do Observatório da COP na Amazônia.
**Luan Werneck Cesar Mathias da Costa
Graduando em Relações Internacionais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas (OIMC – IESP/UERJ)