Lays Isabelle Santos Oliveira*
A Croácia, situada entre a Europa Central e o Sudeste, é uma república parlamentar que consolidou a independência em 1991 e, desde então, trilhou um processo consistente de reconstrução, no qual sua sociedade se distingue por uma herança cultural rica e por um sólido senso de identidade nacional [1]. Dessa forma, desenvolveram uma economia diversificada, na qual o turismo se destaca como motor central, alcançando um PIB per capita de ~€28 mil em 2022 [2]. Com a adesão à União Europeia em 2013, e posteriormente ao Espaço Schengen e à Zona do Euro em 2023, aprofundaram a sua integração política e econômica [2]. Posicionam-se, assim, como um ator pivotal nos Balcãs Ocidentais, funcionando como uma ponte política e econômica entre a União Europeia e os seus vizinhos, e defendendo com convicção a política de ampliação do bloco. A participação croata no mercado único é ativa e bidirecional, beneficiando-se tanto da importação de bens e serviços quanto da exportação de seus produtos. [3]
Em 2024, o PIB croata foi estimado em US$ 92,53 bilhões (cerca de €85,61 bilhões), sendo o setor de serviços responsável por aproximadamente 70% (≅€59 bilhões), impulsionado pelo turismo, comércio e transportes. Sua manufatura contribuiu com cerca de 22% (≅€18 bilhões), destacando-se em construção naval, produtos químicos, alimentos processados e têxteis, enquanto a agricultura representou aproximadamente 4% (≅€3 bilhões), voltada à produção de grãos, vinho, azeite e madeira [4]. No âmbito do comércio exterior, é importante destacar que o Mercosul representa uma participação ainda marginal para a Croácia, com um volume total de aproximadamente €10,2 milhões – menos de 1% do seu comércio global [5]. Esta baixa interligação significa que a Croácia está exposta a poucos setores sensíveis ao Acordo UE-Mercosul, contudo, é observado uma apreensão expressa pela Câmara de Agricultura Croata, que identifica os setores de gado, aves e açúcar como vulneráveis.[6]
É possível observar que a Croácia enxerga no Acordo UE–Mercosul uma oportunidade estratégica para expandir nossas exportações industriais e manufatureiras, aumentar a competitividade e gerar empregos, como já abordado por alguns europarlamentares croatas. Contudo, setores agrícolas como carne bovina e aves, podem sofrer pressão competitiva, além dos riscos sociais e ambientais associados à importação de produtos fora dos padrões da UE [7]. Com isso, o debate na nação croata é menos intenso do que em outros Estados-membros, mas apesar de reconhecerem os benefícios econômicos potenciais, ao mesmo tempo são relembrados sobre a preocupação interna vindo de atores civis e organizações em proteger os setores vulneráveis e assegurar que os ganhos do acordo sejam sustentáveis e distribuídos de forma inclusiva.
No tocante ao Governo Croata, uma análise minuciosa dos materiais de pesquisa disponíveis não revela uma declaração pública formal ou uma posição oficial detalhada sobre o Acordo, apesar disso, essa ausência de uma posição declarada não deve ser interpretada como indiferença ou falta de uma opinião, mas como uma posição estratégica em si. A Croácia, como membro relativamente novo da UE, tende a seguir a liderança da Comissão Europeia e das grandes potências do bloco em questões de política externa e comercial. Com isso, sua posição é de apoio pragmático, evitando o debate politicamente sensível a nível interno. Já em relação ao Parlamento Nacional, conhecido como ‘Sabor’, o partido no poder liderado pelo primeiro-ministro Andrej Plenković, União Democrática Croata (HDZ), tende a sustentar o Acordo, e por ser membro croata do Partido Popular Europeu (EPP) [8], será firmemente pró-acordo, destacando seus ganhos econômicos e geopolíticos[9]. Enquanto isso, setores da oposição, como o Partido Social-Democrata (SDP) e forças populistas, manifestam reservas associadas a preocupações ambientais, sociais e de proteção agrícola. Embora a oposição interna permaneça relativamente limitada, ela ganha relevância por ecoar argumentos de estados-membros influentes, como França e Polônia, o que amplia seu peso político no processo de ratificação[10]. A existência de oposição e de preocupações internas, como as expressas pela sociedade civil croata, impede a possibilidade de um voto unânime e tranquilo. Em vez disso, a ratificação provavelmente será marcada por um debate contencioso e a possibilidade de atrasos, pois os legisladores terão que equilibrar os benefícios econômicos teóricos com as preocupações concretas do seu eleitorado.
A atuação croata do Parlamento Europeu, por sua vez, reflete, em grande medida, a dinâmica dos grupos políticos a que se pertence, sobretudo o PPE e o S&D. Por isso, suas posições se alinham às preocupações centrais do Parlamento, em especial quanto ao impacto do acordo na agricultura e à necessidade de salvaguardas ambientais e de transparência. No mais, lembra-se que, embora os eurodeputados croatas não tenham emitido declarações individuais frequentes, sua participação em votações e relatórios segue a linha de seus grupos parlamentares. Portanto, tendem a convergir com a posição do governo nacional, apoiando os ganhos industriais e geopolíticos do tratado, enquanto a delegação do S&D enfatiza riscos ambientais e sociais. Como o eurodeputado Davor Ivo Stier (PPE) [11] que afirma que o acordo é estrategicamente importante para que a Europa garanta parceiros comerciais com os quais tenha relações contratualmente reguladas, mas lembra que deve ser realizado um diálogo cuidadoso com agricultores, considerados como setores sensíveis, reafirmando então que existe uma preocupação real dentro do país vindo desse setor.
De um lado, associações empresariais croatas, como a Hrvatski izvoznici e a HUP, defendem o tratado como instrumento para ampliar mercados, reduzir barreiras e fortalecer pequenas e médias empresas[12]. De outro, a Hrvatska Poljoprivredna Komora – HPK (Câmara Croata de Agricultura) e ONGs ambientais, incluindo a ZMAG, alertam para riscos à competitividade, padrões duplos e impactos ambientais, sobretudo ligados ao desmatamento [13]. A HPK, especialmente, é o foco da resistência, por representar cerca de 160 mil explorações agrícolas familiares, rotulando o capítulo agrícola como “neuravnotežen” (desequilibrado) e uma “veliku prijetnju” (grande ameaça) para setores sensíveis[14]. Esses atores exigem salvaguardas mais rígidas, proteção social e condicionantes ambientais para sua aprovação, e enquanto os defensores recorrem ao lobby institucional e relatórios técnicos, os opositores utilizam campanhas de mídia e mobilizações sociais. Assim, a ratificação dependerá não apenas da ação governamental, mas também da influência desses grupos na opinião pública europeia.
Infere-se, portanto, que a análise da posição da Croácia face ao Acordo UE-Mercosul revela um país na encruzilhada entre a sua ambição geopolítica e as suas vulnerabilidades económicas domésticas. A posição croata não é de oposição frontal nem de apoio incondicional, mas sim de cauteloso pragmatismo estratégico, moldada pela sua condição de Estado-membro relativamente novo e pela estrutura única da sua economia. A Croácia encara o acordo através de uma lente dual: Por um lado, identifica-se com a narrativa estratégica maior da UE: a necessidade de consolidar parcerias num mundo multipolar, criar cadeias de abastecimento resilientes e projetar influência normativa e econômica numa região como a América do Sul. Para Zagreb, apoiar este alinhamento reforça o seu papel dentro do bloco, posicionando-a como um ator cooperativo e um potencial intermediário nos Balcãs Ocidentais. Os ganhos para os seus sectores industrial e de serviços – chaves para a sua economia e com margem de crescimento no mercado Mercosul – são argumentos poderosos a favor [9] [11]; Por outro lado, esta visão esbarra numa realidade económica interna sensível. A exposição comercial marginal com o Mercosul não elimina o risco de um impacto concentrado e severo em sectores agrícolas específicos, que são não apenas economicamente relevantes, mas também carregados de um peso social e identitário significativo. O coro de preocupações da Câmara de Agricultura (HPK) e de ONGs ambientais, embora menos volumoso do que em outros países como a França ou a Polónia, é suficientemente audível para impor cautela ao governo. [12] [13] [14]
Esta dicotomia materializa-se no cenário político doméstico. O governo Plenković, alinhado com a visão do Partido Popular Europeu (PPE), tenderá a apoiar o acordo de forma tática, mas evitará uma defesa fervorosa que possa inflamar a oposição e alienar um segmento do seu eleitorado. A sua “ausência de posição declarada” é, em si, uma posição: uma espera calculista para avaliar os ventos políticos em Bruxelas e a evolução das negociações sobre as salvaguardas. Enquanto isso, a oposição social-democrata e populista encontrará nestas vulnerabilidades um terreno fértil para contestação, amplificando os riscos ambientais e a ameaça à “soberania alimentar”. Em resumo, a Croácia não será um obstáculo intransponível para o Acordo UE-Mercosul, mas também não será a sua força motriz. Por fim, o país personifica o dilema central que este acordo impõe a muitos Estados-membros: como abraçar os benefícios da abertura comercial global sem fraturar o tecido econômico e social local.
Referências
[1] “Croatia.eu – Land and People,” n.d. https://www.croatia.eu/index.php/en/home-en/the-economy.
[2] European Union. “Croácia – Perfil Do País Da UE | União Europeia,” n.d. https://european-union.europa.eu/principles-countries-history/eu-countries/croatia_pt.
[3] Wankiewicz-KłoczkoPaulina. “The Fading Star Pupil: Ten Years of Croatia’s Membership in the European Union.” OSW Centre for Eastern Studies, November 23, 2023. https://www.osw.waw.pl/en/publikacje/osw-commentary/2023-08-18/fading-star-pupil-ten-years-croatias-membership-european-union.
[4] Statista. “Share of Economic Sectors in the GDP in Croatia 2023,” June 6, 2025. https://www.statista.com/statistics/348751/share-of-economic-sectors-in-the-gdp-in-croatia/#:~:text=Share%20of%20economic%20sectors%20in%20the%20GDP%20in%20Croatia%202023,sector%20contributed%20about%2059.07%20percent.
[5] Trade and Economic Security. “EU-Mercosur – a Boost for Jobs and Exports in Croatia,” n.d.https://policy.trade.ec.europa.eu/eu-trade-relationships-country-and-region/countries-and-regions/mercosur/eu-mercosur-trade-your-town/croatia-mercosur-trade-your-town_en.
[6] Rastija, Karolina. “HPK Poručila: Zaštitite Hrvatske Poljoprivrednike Od Posljedica Utjecaja Mercosura.” Agroklub.com, January 23, 2025. https://www.agroklub.com/poljoprivredne-vijesti/hpk-porucila-zastitite-hrvatske-poljoprivrednike-od-posljedica-utjecaja-mercosura/101502/.
[7] Castilho, Marta; Kethelyn Ferreira; João Braga. Reflexões acerca dos impactos do acordo Mercosul – União Europeia (Nota UE-MS VF_RESUMO). Rio de Janeiro: Instituto de Economia – IE-UFRJ, 2024. PDF. https://www.ie.ufrj.br/images/IE/grupos/GIC/publica%C3%A7%C3%B5es/2024/Nota%20UE-MS%20VF_RESUMO.pdf
[8] EPP – European People’s Party. “EPP – European People’s Party – Homepage,” n.d. https://www.epp.eu/parties-and-partners#:~:text=President%20of%20the%20Party:%20YORDANOV,Croatia.
[9] Agrodiario. “The President of the European PP Urges to Ratify the EU-Mercosur Agreement and to Bet on Latin America.” Tridge, August 28, 2025. https://www.tridge.com/news/the-president-of-the-european-pp-urges-to-ra-vhjghs#:~:text=Contact%20us-,The%20president%20of%20the%20European%20PP%20urges%20to%20ratify%20the,in%20the%20U.S.%20or%20China.
[10] Robert. “Trgovinski Sporazum EU I Mercosura Signalizira Promjene.” Hladna istina – (blog), September 4, 2025. https://hladnaistina.com/trgovinski-sporazum/?hl=pt-BR.
[11] © European Union, 2025 – Source: European Parliament. “Verbatim Report of Proceedings – EU-Mercosur Trade Agreement (Debate) – Thursday, 13 February 2025,” February 13, 2025. https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/CRE-10-2025-02-13-ITM-003_EN.html.
[12] izvoz.gov.hr. “Postignut Politički Dogovor O Trgovinskom Sporazumu EU-Mercosur,” n.d.https://izvoz.gov.hr/vijesti/postignut-politicki-dogovor-o-trgovinskom-sporazumu-eu-mercosur/6264?hl=pt-BR.
[13] Fischer, Ivan. “Utjecaj Sporazuma EU I Mercosura Na Hrvatsku. Jeftinije Meso Za Potrošače I Udar Na Proizvođače.” Ideje.hr, April 30, 2025. https://ideje.hr/utjecaj-sporazuma-eu-i-mercosura-na-hrvatsku-jeftinije-meso-za-potrosace-i-udar-na-proizvodace/?hl=pt-BR.
[14] Hrvatska Radiotelevizija. “HPK Pozvao Eurozastupnike Da Stanu U Zaštitu Hrvatskih Poljoprivrednika,” January 22, 2025. https://vijesti.hrt.hr/gospodarstvo/hpk-pozvao-eurozastupnike-da-stanu-u-zastitu-hrvatskih-poljoprivrednika-11973641.
*Lays Isabelle Santos Oliveira
Graduanda em Direito na Universidade Federal de Alagoas. ORCID: 0009-0003-8529-8087.