Larissa Ceratti da Rosa*
A República da Estônia, uma república parlamentarista do Báltico, membro da União Europeia e da OTAN, tem sua digitalização avançada, alto nível educacional e políticas inclusivas como motes para sua participação nas discussões sobre o Acordo UE-Mercosul. Economicamente, evidencia-se um crescimento baseado em tecnologia, serviços e comércio exterior, com destaque para startups [1]. Através de um complexo ecossistema digital, o país tem buscado aumentar a competitividade no sistema internacional e também facilitar o cotidiano da população através da e-governança. O objetivo é manter o governo funcionando a todo momento, sem pausas. É defendida a segurança coletiva e políticas pró-mercado, sobretudo frente à ameaça russa. Em seu histórico, participa ativamente de acordos internacionais, como o de comércio digital com Singapura, reforçando seu papel em prol da inovação europeia.
A exportação de produtos e serviços estonianos compõe mais de 77% do PIB nacional. Em sua maioria, são equipamentos e maquinário elétrico, madeira, derivados de madeira e minerais. Os principais destinos de exportação são a Suécia, a Finlândia e a Latvia. É um dos países que mais conseguiu diminuir sua dependência energética dentro da EU, especialmente após o rompimento com a cadeia energética russa, tendo importações energéticas mínimas.
Em volume total de comércio, as exportações da Estônia para o Mercosul amontam cerca de €73 milhões, enquanto as importações permanecem em aproximadamente €27 milhões. Isso torna o Mercosul o 16º maior parceiro comercial fora da EU para a Estônia.
O Brasil é o maior destino dentro do bloco, sendo que as exportações estonianas têm maior valor agregado, consistindo majoritariamente em material de caráter tecnológico e industrial [2].
As importações incluem, em grande parte, café, chá e especiarias, celulose, polpa de madeira e derivados, madeira e carvão vegetal, produtos químicos inorgânicos e compostos metálicos, frutas, nozes e cítricos, carnes e derivados. Ou seja, itens de menor valor agregado, constituídos majoritariamente de commodities e insumos primários [3].
A agricultura representa uma parcela relativamente pequena da economia estoniana, ou seja, o comércio Estônia–Mercosul segue a lógica centro–periferia típica: a Estônia exporta tecnologia e manufaturas de maior valor agregado enquanto o Mercosul exporta commodities agrícolas, florestais e insumos básicos.
As exportações e importações relacionadas ao Mercosul são limitadas em valor absoluto, pouco influenciando setores sensíveis como agropecuária, indústria têxtil ou bens de consumo. Portanto, pode-se inferir que a dependência da Estônia em relação ao Mercosul é baixa, para ambos os lados do comércio. A exposição de setores sensíveis (como agricultura ou madeira) ao acordo é relativamente reduzida, tanto em valor como em participação no mercado interno e global.
Possíveis conjunturas perante a ratificação do Acordo
Diante de tal cenário, tem-se que os setores industriais e de tecnologia são os com maior potencial para se beneficiar, entre maquinário industrial, caldeiras, reatores, equipamentos elétricos e eletrônicos, visto que terão mais acesso a novos mercados com tarifas reduzidas no Mercosul. Isso pode ter como efeito, ainda, o aumento da demanda por engenheiros, técnicos e operadores em indústrias de montagem e eletrônica.
Ainda, a República da Estônia tem um forte apelo competitivo no tocante de governos digitais e startups, o que pode permitir empresas de software e serviços digitais da Estônia a expandirem seus projetos e consultoria em países do Mercosul, com a possibilidade de contratos públicos e privados em tecnologia e cibersegurança [4].
No entanto, estudos europeus indicam que os benefícios econômicos do acordo seriam mais expressivos para setores industriais de grandes economias ou aqueles com forte ligação existente com o Mercosul [5]. Nesse sentido, a retórica mais pessimista do acordo, principalmente no que tange o rigor regulatório ambiental, ganha força. Pensa-se que o crescimento econômico real também tende a ser marginal para pequenas economias abertas.
Embora o setor agrícola da Estônia seja menor em comparação com outros países bálticos, há preocupações sobre a competitividade frente a produtos do Mercosul, especialmente carnes e produtos agrícolas.
O diretor de política comercial externa do Ministério das Relações Exteriores da Estônia, Jüri Seilenthal, publicou um artigo argumentando que o acordo UE-Mercosul é cultural e economicamente vantajoso para a Estônia, para a União Europeia e para o Mercosul [6]. Ele afirmou que mercados sul-americanos são mais próximos da Estônia em termos culturais e em hábitos de consumo do que muitos mercados para onde o país têm olhado recentemente.
O acordo do Mercosul cria melhor acesso para empresas da UE, incluindo empresas estonianas, a um mercado de mais de 260 milhões de consumidores, reduzindo tarifas e burocracias. Esse tipo de acordo elucida a capacidade da UE de construir pontes, não muros. O comércio sempre foi mais do que números – é um investimento na estabilidade internacional, cooperação, crescimento econômico e bem-estar humano. É por isso que é importante manter parceiros confiáveis próximos e permanecermos unidos com resiliência e determinação em um mundo em mudança.
A ex-premiê da Estônia Kaja Kallas, alta representante da União Europeia para Política Externa, defendeu a assinatura do acordo comercial com o Mercosul para evitar que o mercado sul-americano seja dominado pela China. Em sabatina no Parlamento da UE, Kallas apontou que os investimentos chineses na região aumentaram 34 vezes entre 2020 e 2022. “Esse é o meu ponto: se nós não estivermos, eles estarão”, declarou a estoniana. O bloco latino-americano e caribenho, segundo Kallas, é um “aliado indispensável no mundo atual. É uma potência cultural e democrática. Abriga a maior biodiversidade e metade das florestas tropicais do planeta. E é um parceiro-chave na luta contra as mudanças climáticas” [7].
Enquanto isso, a presidente da Câmara de Agricultura-Comércio da Estônia, Kerli Ats, expressou visão crítica, classificando o acordo como desatualizado e desequilibrado, dado o contexto de crises recentes (como a pandemia, a guerra na Ucrânia, e a crise logística de Suez), que evidenciam a necessidade de resiliência nos setores agrícolas e alimentícios [8]. A ONG ambiental Eesti Roheline Liurmine (ERL) também se opõe ao acordo, integrando coligações europeias contrárias, como a Friends of the Earth [9].
Conclusões acerca de demandas, concessões e flexibilizações estratégicas
As demandas principais variam entre garantir reciprocidade regulatória, concorrência desleal para os agricultores estonianos e reforçar subsídios e medidas de apoio ao setor agroalimentar, para a Câmara. Para a ERL, é imprescindível condicionar o acordo a cláusulas fortes de sustentabilidade, combate ao desmatamento e garantia de direitos humanos. Estas preocupações se traduzem em um lobby agrícola em Bruxelas, via COPA-COGECA e pressão direta sobre o governo estoniano para defender cláusulas de salvaguarda. De forma geral, o cumprimento do Acordo de Paris surge como condição sine qua non.
A República da Estônia, como visto, preocupa-se em garantir a reciprocidade regulatória: que os produtos importados do Mercosul respeitem padrões da UE em bem-estar animal, segurança alimentar e meio ambiente. Além disso, busca evitar concorrência desleal para os agricultores estonianos, especialmente em carne bovina e laticínios. Também, reforçar subsídios e medidas de apoio ao setor agroalimentar, caso o acordo seja ratificado, e manter o acordo vinculado a cláusulas fortes de sustentabilidade.
Quanto às concessões e flexibilidades, a Estônia tem apoiado a adoção de cotas específicas para permitir o acesso a produtos agrícolas sensíveis, como carne bovina, suína e aves, sempre com proteção para o setor agrícola europeu: a inclusão de um limite máximo para importações com tarifas reduzidas, além de cláusulas de salvaguarda em caso de distúrbios de mercado, mostra a flexibilidade com restrições definidas. Também, apoia cronogramas faseados de eliminação tarifária, permitindo uma transição mais suave para setores impactados.
São bem-vindas iniciativas como transferência de tecnologia, financiamento climático e fortalecimento de capacidades institucionais em Mercosul, contanto que fortaleçam a implementação de compromissos ambientais. O país pode aceitar reconhecimento gradual de sistemas de certificação locais no Mercosul, desde que auditáveis, ao invés de exigir alinhamento imediato e integral às normas da EU, visando abrir caminho para cooperação técnica e exportação de know-how digital estoniano em monitoramento por blockchain, IA e big data.
Por fim, evidencia-se que a atuação da Estônia no capítulo de Comércio e Desenvolvimento Sustentável do acordo UE–Mercosul combina firmeza em princípios com pragmatismo em negociações. Dentro do Conselho da União Europeia, Tallinn se posiciona ao lado de países como Portugal, Espanha e Alemanha para sustentar a ratificação do pacto frente à resistência de membros mais críticos, como França e Áustria. Sua lógica parte da defesa de compromissos climáticos obrigatórios, especialmente a manutenção do Acordo de Paris. Para legitimar essa postura, a Estônia adota uma estratégia de flexibilidade pragmática, defendendo transições graduais, com prazos adaptados e cooperação técnica, antes de recorrer a medidas corretivas mais duras. Outro pilar de sua intervenção é a abertura do processo a atores não estatais, como ONGs, sindicatos e setor privado, reforçando transparência e legitimidade. Dessa forma, a Estônia procura conciliar a exigência de altos padrões ambientais e trabalhistas com a necessidade de viabilizar o acordo, utilizando sua identidade digital e ambiental como instrumento de soft power para consolidar credibilidade tanto dentro da UE quanto junto ao Mercosul.
[1] Estonia.ee. Overview — Estonia. https://estonia.ee/overview/
[2] Statistikaamet. Main Indicators. Stat.ee. https://www.stat.ee/en/avasta-statistikat/main-indicators
[3] Trading Economics. Estonia. https://pt.tradingeconomics.com/estonia/indicators
[4] Government Office of Estonia. (19 de junho de 2025) Estonia’s European Union Policy Priorities for 2025–2027. https://www.riigikantselei.ee/en/node/64/handbook/15/pdf
[5] European Parliament. EU–Mercosur Agreement: Study Requested by the Committee on International Trade. Bruxelas: European Parliamentary Research Service, 2025. https://www.europarl.europa.eu/RegData/etudes/STUD/2025/754476/EXPO_STU(2025)754476_EN.pdf
[6] Postimees. Jüri Seilenthal. “Kaubanduslepe on alati mõlemale poolele kasulik.” Arvamus, 2025. https://arvamus.postimees.ee/8159152/juri-seilenthal-kaubanduslepe-on-alati-molemale-poolele-kasulik
[7] UOL. (17 de fevereiro de 2025) “América Latina e Caribe são aliados em uma conjuntura muito crítica, diz chefe da diplomacia da UE.” https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2025/02/17/america-latina-e-caribe-sao-aliados-em-uma-conjuntura-muito-critica-diz-chefe-da-diplomacia-da-ue.htm
[8] Postimees. (14 de dezembro de 2024) “Põllumajanduskoja juht: Mercosuri leping ei arvesta muutunud maailmaga.” https://www.postimees.ee/8154445/pollumajanduskoja-juht-mercosuri-leping-ei-arvesta-muutunud-maailmaga
[9] Friends of the Earth Europe. 2025. “Stop the EU-Mercosur Trade Deal.” https://friendsoftheearth.eu/stop-the-eu-mercosur-trade-deal
*Larissa Ceratti da Rosa
Graduanda de Relações Internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.