Observatory on European Studies _ O tratado de livre comércio Mercosul-União Europeia e seu impacto na indústria automobilística brasileira

2021-03-24

*Bettina Omizzolo

*João Pedro Gonçalves Dalla Valle

*Daniel Gomes Batista da Silveira

 

Em junho de 2019 foi enfim anunciado o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, após 20 anos de negociações entre os blocos. Juntos Mercosul e União Europeia representam 25% do PIB mundial e englobam 750 milhões de pessoas. O anúncio oficial feito pelo então presidente do Mercosul na reunião de cúpula do G20, Maurício Macri, causou diferentes reações em diversos setores da economia brasileira, entre eles, o setor automobilístico.
A indústria automobilística brasileira está preocupada porque dentre as metas do acordo é prevista a redução gradativa da taxa de importação, ou seja, a alíquota cobrada pela Receita Federal quando uma mercadoria é recebida no Brasil. Atualmente a alíquota de importação para o setor automobilístico se encontra em 35% e tem como meta ser zerada, isto vale para importações do bloco Europeu para o Mercosul.
Devido a esse evento, é consenso entre os dirigentes das montadoras brasileiras que se o acordo passasse a valer hoje com taxas zeradas para importação, o mercado brasileiro seria profundamente abalado. Isso porque a indústria nacional não possui as mesmas tecnologias das indústrias europeias, as quais se desenvolveram muito diante da enorme concorrência com os mercados estado-unidense e chines nas últimas décadas, resultando na produção de veículos/automóveis de altíssima qualidade. Além disso, o setor automobilístico é o que mais investe em pesquisa e desenvolvimento na Europa conforme o The Automobile Industry Pocket Guide 2019 [1].
Na esfera local o chamado “custo Brasil”, referente a quantidade de custos ou despesas que incidem sobre a produção em território nacional, desencoraja o exportador brasileiro a colocar os seus produtos no mercado internacional ou até mesmo torna desvantajoso competir com os produtos importados, fato que pode ser agravado ao se derrubar a alíquota de importação de uma maneira brusca, causando um forte abalo no mercado brasileiro.
Em vista desse cenário, durante as negociações, o bloco sul-americano garantiu que a mudança ocorra de maneira gradual: a atual taxa de importação de 35%, decairá nos primeiros 7 anos para 17,5%, com uma cota de 50 mil carros. Nos dois anos seguintes, a taxa sobe de 17,5% para 28% no primeiro e cai novamente para 21% no segundo, no entanto, sem cotas. Após esse período, a redução será gradual até se completar o período previsto de 15 anos e a taxa chegar a zero. Tal mecanismo não necessariamente implicará problemas para a
indústria nacional, pois dependendo de como o governo brasileiro se comportar diante do
mercado internacional, o acordo ampliará o acesso da população a carros importados de
melhor qualidade por um preço muito menor, assim como são na Europa, permitindo
benefícios ao consumidor brasileiro.
Apesar da tensão inicial, os fabricantes nacionais de automóveis entendem, de maneira geral,
que o acordo pode ser um propulsor para a mudança do mercado automobilístico brasileiro,
incentivando o governo a promover algumas reformas estruturais.
Em relação à União Europeia as exportações brasileiras de produtos automobilísticos já são
muito reduzidas, de forma que com a taxa de importação em zero, o saldo será negativo na
balança comercial nacional, visto que o país irá importar mais do que exportar. Para se evitar
prejuízos ao mercado nacional, é fundamental modernizar e abrir o mercado automobilístico,
a fim de se manter o acesso a mercados tradicionais e conquistar novos mercados.
Para que isso aconteça, os dirigentes das montadoras apontam serem indispensáveis reformas
no âmbito nacional, a começar pela reforma tributária. Segundo eles, através da simplificação
de imposto, será possível gerar uma redução de custos, diminuindo gastos e o tempo exigido
pela burocracia do “custo Brasil”. Não à toa o relatório Doing Business 2020 do Banco
Mundial [2] aponta o Brasil como o país em que o empresário gasta mais tempo para pagar
impostos, considerando o tempo para o preparo da declaração e o pagamento dos tributos.
Além dessas reformas, especialistas de todos os setores citam a necessidade de reformas
econômicas e políticas, que podem fazer o Brasil alavancar e se tornar mais competitivo no
mercado internacional.
Um forte sinal de alerta de que as coisas não estão caminhando como deveriam é o fato de a
montadora Ford ter anunciado no começo do ano de 2021 que fecharia todas as suas fábricas
no Brasil. Apesar da justificativa de que não estava conseguindo ser competitiva no Brasil, a
fala do CEO da montadora Jim Farley, através de um comunicado oficial publicado no dia 11
de janeiro desse mesmo ano, é um forte indício de que as montadoras não estão satisfeitas
com as condições oferecidas pelo governo brasileiro: "Estamos mudando para um modelo de
negócios ágil e enxuto ao encerrar a produção no Brasil" [3].
Tais eventos confirmam a previsão de que com a entrada em vigor do acordo EU-Mercosul
será necessário investir no desenvolvimento da indústria automobilística nacional, tornando-a
mais competitiva no cenário internacional. Nesse sentido, outras possíveis medidas para
maximizar a competitividade incluem o investimento em setores mais específicos, por exemplo, o aumento da produção de peças para exportação.
Historicamente os carros mais exportados pelo Brasil são os modelos Gol, Voyage e Fox, todos modelos de alto volume de venda. Portanto, não seria coerente a produção interna de veículos com baixo volume de vendas, tendo em vista que não são o alvo das exportações nacionais.
Com a alíquota zerada o Brasil poderá suprir sua demanda interna de carros de baixo volume de venda através das importações vindas da União Europeia, permitindo que a produção interna se volte para os carros mais populares, com alto volume de vendas. Tal oportunidade abarca ainda o mercado exterior, principalmente os seus maiores compradores, nos quais se encontram Argentina e Uruguai, também membros do Mercosul.
Essa estratégia pode ser útil para que a previsão do presidente da Fiat-Chrysler portenha não venha a se concretizar. O mesmo afirmou em julho de 2019 ao jornal La Nación “Hoje temos uma invasão de veículos brasileiros. Então é melhor ter uma invasão de carros europeus, que são melhores, têm uma qualidade maior e ainda podem ser mais baratos. Não precisaremos viver novamente por conta própria” [4].
Existe ainda outro trunfo para a indústria automobilística brasileira. A União Europeia tem como meta a extinção dos carros à combustão em seus territórios de influência, e para a sua substituição, carros híbridos e elétricos são as respostas. Recentemente no Brasil foi anunciado o primeiro carro híbrido flex do mundo, o Toyota Corolla, que faz uso de bicombustível (etanol). Tal combustível é ainda menos poluente do que o carro elétrico, e representa importante solução aos anseios ambientais da UE. Como maior produtor mundial de etanol, o Brasil depara-se com uma grande oportunidade de mercado.
Nesse sentido, o próprio etanol, que serviria de combustível para o carro híbrido flex, passará a ser exportado para a Europa com maior facilidade devido ao acordo de livre comércio. A previsão é para uma cota de 450 mil toneladas do produto para a indústria e 200 mil toneladas para combustível e outros usos, sujeitos à redução tarifária conforme previsto no acordo.
Com a facilitação da entrada de automóveis europeus no mercado interno brasileiro e da exportação de produtos brasileiros à UE, vislumbra-se uma variedade de mudanças e oportunidades. Os efeitos de tais mudanças poderão ser positivos ou negativos, de forma que o governo brasileiro e a própria indústria automobilística sujeitam-se a um protagonismo de
grande responsabilidade. As previsões decorrentes do acordo mais do que nunca exigem atenção dos governantes para com o "custo Brasil" e ressaltam a necessidade de se traçar novas estratégias para as exportações. Em havendo atenção aos sinais, o Brasil poderá desfrutar dentro das próximas décadas de uma elevação de patamar de suas relações comerciais exteriores.


[1] acea.be/uploads/publications/ACEA_Pocket_Guide_2019-2020.pdf
[2] http://documents1.worldbank.org/curated/en/688761571934946384/pdf/Doing-Business-2020-Comparing-Business-Regulation-in-190-Economies.pdf
[3] https://media.ford.com/content/fordmedia/fsa/br/pt/news/2021/01/11/ford-avanca-na-reestruturacao-da-america-do-sul--encerra-as-oper.html
[4] https://autoblog.com.ar/2019/07/04/rattazzi-los-autos-europeos-son-mejores-y-hasta-mas-baratos-que-los-brasilenos/

* Bettina Omizzolo

Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

LL.M. Candidate junto ao Geneva Center for Interntional Dispute Settlement (CIDS)

* João Pedro Gonçalves Dalla Valle

Estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

* Daniel Gomes Batista da Silveira

Estudante de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)